Caros alguns humanos,
Que propósito encontrais vós no acto de deitar lixo para o chão? Que encontrais vós no propósito de largardes o que não quereis em seara alheia? Achais vós, porventura, que o planeta é um gigantesco caixote do lixo? Achais vós que outros da mesma espécie são vossos servos no que respeita à recolha do vosso lixo? Achais vós que o lixo que largais paisagem fora não traz decorrências prejudiciais para o meio ambiente e para as espécies que, connosco, partilham o planeta?
Se vos achais no direito de deitar lixo para o chão, então ide deitar esse mesmo lixo no chão da casa em que residis.
E tenho dito. Aliás, não tenho muito porque há gente que se sente bem a deitar lixo para o chão, sobretudo se esse chão não for o da sua casa.
Creio que a generalidade dos humanos já teve conhecimento de um determinado objecto que dá pelo nome de “caixote do lixo” ou um termo similar. Algo que seja um receptáculo tridimensional que permita colocarmos no seu interior as coisas que não queremos. E quando digo coisas, refiro-me a garrafas de água vazias, embalagens de bolachas que já foram comidas, maços de tabaco vazios, beatas, enfim, a escolha é muita. E repare-se que até existem alguns desses receptáculos que se destinam à reciclagem.
O processo de inserção do que não queremos no interior desses receptáculos é de simples entendimento. Há uns que requerem o içamento de uma tampa para que se torne possível a um determinado humano entregar-lhe a coisa que não quer. E há outros, em geral, menores e suportados verticalmente por um pequeno poste têm, normalmente, a abertura escancarada, bastando enviar para o seu interior a coisa que não queremos.
Portanto, se o processo é extraordinariamente simples, porque razão alguns humanos preferem recorrer a outro tipo de técnica para se desfazerem da coisa que não querem?
É certo que muitos humanos utilizam esses tais caixotes do lixo (ou qualquer outra variante do nome) para colocar no seu interior as coisas que não querem. Mas há uns quantos que preferem sujar as ruas, sujar os campos, sujar tudo e mais alguma coisa excepto, provavelmente, a própria casa. Terão esses sujadores necessidade de demonstrar alguma espécie de virilidade, afirmando que o mundo é deles e que o podem sujar à vontade? Será, simplesmente, um mau hábito que têm?
E há até uns indivíduos da espécie humana que fazem uso da janela da sua viatura em andamento para conspurcarem a paisagem. E consporcam-na com porcaria vária como papelinhos, embalagens, maços de tabaco vazios e até beatas acesas. Beatas essas que podem provocar incêndios florestais e, como bem sabeis, um incêndio florestal é um fenómeno dramático. É dramático não apenas para os humanos cujas casas e terrenos são apanhados pelo fogo, mas também para a biodiversidade que habitava a região que arde. Essa região, essa floresta é (ou era) a casa de espécies de aves, de insectos, de mamíferos, de répteis, de anfíbios, de fungos e de plantas que, num repente, vêem as suas vidas serem destruídas e consumidas pelo fogo que algum humano se lembrou de provocar, fazendo ou não uso de uma beata acesa. Quantos desses nossos vizinhos de outras espécies se salvarão do incêndio? Quantas famílias dos nossos vizinhos de outras espécies se salvarão?
Que mais se poderá dizer acerca da imbecilidade do fenómeno que tenho vindo a aturar neste artigo?
Haverá, certamente, muito mais a dizer. Podemos, inclusive, tentar justificar o rasto de sujidade que esses indivíduos deixam por onde passam, recorrendo a áreas que vão desde a psicologia até à biologia, passando pela falta de consciência cívica ou ambiental e até a questões culturais.
E que tal invertermos a perspectiva? Imaginemos que um desses indivíduos sujadores se encontra pacatamente em sua casa e que alguém, no exterior, atira através da janela uma embalagem vazia de bolachas que acaba o seu vôo no chão da sala de tal indivíduo. Passa-se mais um pouco e eis que outro alguém envia-lhe via janela, uma beata acesa e respectivo maço de tabaco vazio. O tempo continua avançando e mais gente vai mandando pela janela diversas e variadas coisas que não quer. E o pacato cidadão sujador de paisagem vai tendo a sua casa cada vez mais conspurcada e até lhe podemos imaginar a reacção à medida que vai vendo a sua casa tornar-se cada vez mais imunda. Podemos imaginar-lhe várias expressões faciais e até impropérios que se vão soltando da sua boca, insultando quem lhe envia lixo pela janela da sala. Mas seja qual for a expressão, não me parece que o referido indivíduo aprecie ver a sua casa ser transformada num caixote do lixo.
Portanto, caro humano que se digna a deitar lixo variado para o chão: que tal levar esse lixo consigo até encontrar um desses objectos tridimensionais e facilmente identificáveis que fazem a recolha daquilo que você não quer?