À data a que escrevo este texto, o século XXI está já bem entrado e corre na sua segunda década. E à nossa volta, neste planeta que habitamos, vão acontecendo os assuntos que vão fazendo a História humana, desde as guerras e da política, até ao desporto e às artes, passando pela economia e pelas ciências. E há também aqueles assuntos que se relacionam com o meio ambiente e com a preservação da biodiversidade. Ouvimos, sobretudo, falar do aquecimento global mas, volta e meia, somos também informados acerca da poluição plástica, da desflorestação e da redução da biodiversidade. E podemos dizer que este tipo de notícias vai estando mais ou menos presente, em maior ou menor grau, entre o que vamos lendo, vendo ou ouvindo. Não são, portanto, temas exóticos que acabaram de cair na superfície da Terra, tendo-se já passado algumas décadas desde que estão presentes na sociedade humana.
Sabemos que existem associações e outro tipo de entidades que tentam agir em prol da preservação da biodiversidade e da criação de um meio ambiente mais saudável. Sabemos que acontecem manifestações sobre, por exemplo, a necessidade de minimizarmos o aquecimento global ou de preservar a biodiversidade. Sabemos que existem empresas que seguem princípios que estão de acordo com a redução do impacto negativo na Natureza. E sabemos que há partidos políticos que defendem causas ambientais e até noutro tipo de partidos existem defensores dessas mesmas causas.
Enfim, são temas que, quer queiramos, quer não, fazem parte das nossas vidas. Há quem lhes esteja mais atento e há quem não lhes preste a mínima atenção. E, entre esses que estão mais atentos, há aqueles que tentam minimizar o impacto negativo que as suas vidas têm no meio ambiente e na biodiversidade através das escolhas que fazem no seu dia-a-dia (evitando comprar produtos embalados em plástico descartável, evitando comprar produtos que causam desflorestação, evitando comprar alimentos que foram produzidos através de métodos prejudiciais para a biodiversidade e evitando diversas outras coisas). E nem precisamos de pertencer a nenhuma associação ou grupo organizado para seguir esse estilo de vida de impacto reduzido. Basta ter determinados cuidados nas nossas compras e em mais um ou outro aspecto. Claro que pode haver vantagens em ser sócio de uma associação ou pertencer a um grupo, desde que essa associação ou grupo aja de forma adequada e ordeira.
Por vezes sabemos de grupos ambientalistas mais efervescentes que, nas suas manifestações, cometem acções que não são minimamente adequadas a uma sociedade pacífica e que, além de não resolverem nada do que esse grupo pretende, produz na população um efeito de aversão em relação a esse grupo. Vandalizar peças de arte e atirar tinta contra alguém, não tem nenhuma relação com o aquecimento global, com a preservação da biodiversidade ou com a redução do consumo de plásticos descartáveis. Portanto, espero que esses grupos se tornem mais responsáveis nas suas acções e que pensem melhor sobre a forma como agem.
Quem segue estilos de vida menos prejudiciais para o ambiente e para a biodiversidade é, na sua enorme maioria, gente pacífica e ordeira. E nem é preciso vestir nenhuma roupa especial com flores para seguir esse tipo de vida. É possível usarmos diariamente fato e gravata e evitarmos contribuir para a poluição plástica, para a redução da biodiversidade e para diversos outros problemas relacionados com o meio ambiente e com a vida das espécies que, connosco, partilham a Terra. É a mesma coisa que sermos adeptos de um determinado clube de futebol. Não precisamos de vestir a camisola desse clube para mostrarmos que somos seus adeptos. Sabemos que somos e que agimos como tal. E, da mesma maneira, podemos dizer que os adeptos de um determinado clube são, na sua enorme maioria, gente pacífica e ordeira. É assim no futebol, é assim nas causas ambientais e é assim em muitos outros aspectos da sociedade humana. Mas há sempre uns quantos efervescentes que não representam o todo.
O impacto das nossas vidas
A vida de qualquer indivíduo de qualquer espécie possui impacto no ambiente e a espécie humana não é excepção. No entanto, existe uma enorme diferença entre o impacto criado por uma parte muito considerável da população humana e aquele que é criado pelas outras espécies.
A História da Terra está organizada numa Escala do Tempo Geológico, constituída por várias divisões às quais, hierarquicamente, damos o nome de Éon, Era, Período, Época e Idade (por exemplo, e respeitando a ordem hierárquica, temos Fanerozóico, Paleozóico, Devónico, Superior e Famenniano). Actualmente estamos na Era Cenozóica, no Período Quaternário e no Holoceno (quanto à Época). No entanto, o nosso modo de vida está a alterar o ambiente de tal maneira que foi sugerido o termo “antropoceno” para definir o tempo que atravessamos. Não é um termo oficial porque ainda não foi aceite pela comunidade científica e podemos considerá-lo, pelo menos, por enquanto e, provavelmente durante mais algum tempo, como uma denominação informal. Os humanos tornaram-se uma força dominante capaz de alterar o mundo que o rodeia em vários aspectos e que vão desde a biodiversidade até ao clima, passando por outros.
Como acontece o impacto da espécie humana?
Não existe apenas uma causa para que o nosso impacto esteja a ser aquele que conhecemos. É, antes, um conjunto de causas, sendo umas a consequência de outras. Para mencionar algumas, é a necessidade de dependermos de determinados tipos de materiais ou de produtos, é a necessidade de produzirmos massivamente para satisfazer as necessidades da população humana, é a necessidade de espaço que precisamos para expandirmos a nossa espécie pelo planeta e é o pouco cuidado e o desleixo em relação aos assuntos relacionados com o meio ambiente e com a biodiversidade que, frequentemente, ficam a perder quando em “competição” com outro tipo de assuntos.
E se quisermos dar nomes a todas estas causas e consequências, podemos dizer o aquecimento global, a poluição plástica, a desflorestação, o enorme declínio populacional dos insectos, a redução da biodiversidade, o impacto da indústria mineira, o impacto da sobrepopulação humana, a acidificação dos oceanos, o impacto das guerras, a poluição luminosa e muitos outros problemas.
Neste momento da História da humanidade o impacto está feito e já não dá para voltar atrás. Portanto, resta-nos tentar minimizar o estrago que temos vindo a fazer no planeta.
É verdade que têm vindo a ser implementadas diversas políticas, diversas leis e diversos acordos que têm o objectivo de minimizar o impacto negativo que a espécie humana tem tido no ambiente e na biodiversidade. Porém, seja por que razão for, o resultado dessas implementações fica, muitas vezes, aquém do desejado.
Pequenas mudanças de hábitos
Seguir estilos de vida que reduzam o impacto negativo no ambiente e na biodiversidade é um processo que não é complicado. Pode, obviamente, haver uma situação ou outra mais complexa no que respeita a encontrar soluções alternativas mas, em geral, é razoavelmente simples. Diria que o essencial é haver uma mudança de hábitos por parte de cada um de nós. Ilustremos essa mudança de hábitos com uma situação prática (relativamente ao tema da poluição plástica).
Vamos imaginar que numa determinada aglomeração urbana residem dez mil famílias. Dessas, nove mil compram, cada uma, 32 embalagens de iogurte por mês (perfazendo um total anual de 3 456 000), enquanto as outras mil famílias não consomem esse tipo de produto. Suponhamos que 50% do total será reciclado (ainda que a reciclagem não seja um método totalmente aprazível para o ambiente e para a biodiversidade) e a percentagem restante (que corresponde a 1 728 000 embalagens) acabará em aterros sanitários ou será atirada para algures, contribuindo para aumentar a poluição plástica. Uma nota: segundo dados da Agência Portuguesa do Ambiente, a percentagem de reciclagem de embalagens de plástico em Portugal é inferior à que avancei.
Atentemos agora numa pequena mudança de hábitos (mantendo os mesmos valores percentuais). Se as nove mil famílias reduzirem a compra de embalagens de iogurte, passando das 32 mensais para 20, aquelas que irão, potencialmente, contribuir anualmente para aumentar a poluição plástica passarão a ser 1 080 000. Reduzir apenas 12 embalagens de iogurte por mês em cada família, permite uma redução anual para a contribuição da poluição plástica de 648 000 embalagens.
Esta diferença de valores pode parecer insignificante dado o enorme problema da poluição plástica que temos vindo a criar, com todas as suas consequências ambientais e causando a morte a muitos indivíduos de outras espécies (como peixes e aves, por exemplo). Não nos esqueçamos, porém, que estávamos a falar apenas de uma localidade. Mas se lidarmos com uma população maior iremos obter outro tipo de resultado. Se estivermos a lidar com quatro milhões de famílias, e mantendo as mesmas percentagens (90% que consomem embalagens de iogurte, das quais 50% será reciclada), descobrimos que se cada família reduzir as 32 para 20 embalagens mensais, o problema da poluição plástica será aliviado em 259 200 000 embalagens de iogurte anuais. E se aumentarmos a escala do exemplo de modo a englobarmos todos os consumidores de embalagens de iogurte que há na Terra, obteremos um alívio ainda maior.
Consumir menos plásticos descartáveis possui um outro benefício. Sendo a maior parte dos plásticos em circulação produzidos a partir de combustíveis fósseis, reduzi-los implica diminuirmos a dependência que temos desses combustíveis e respectivas consequências ambientais.
Utilizei iogurte para desenvolver este exercício mas podia ter escolhido qualquer outro produto alimentar que seja embalado em plástico descartável. Apesar de simplificado, creio que o exercício é suficiente para demonstrar a importância de reduzir o consumo de tudo ou de muito daquilo que compramos (incluindo produtos que não estejam embalados em plástico descartável).
É claro que pode dar-se o caso de ser necessário substituir o produto que deixou de ser comprado por outro. Mantendo-me no exemplo que dei, Imaginemos que os 32 iogurtes mensais seriam para serem consumidos por uma mãe (no seu emprego) e pelo seu filho (na escola). Obviamente que substituir um iogurte por uma sandes embalada em película aderente não é a melhor solução porque a película irá aumentar a poluição plástica. É, portanto, necessário encontrar uma solução que seja menos prejudicial para o ambiente e para a biodiversidade.
Conclusão
Reduzir o nosso impacto negativo no ambiente e na biodiversidade implica querermos habitar um planeta cujo meio ambiente é mais saudável. Implica querermos que este mesmo planeta seja partilhado entre todas as espécies que nele habitam. E implica deixarmos para as gerações vindouras um mundo mais equilibrado e mais limpo.
Cada um de nós tem poder de escolha e cada um de nós pode escolher que tipo de sociedade humana quer habitar. Será que queremos continuar a aumentar a poluição plástica? Será que queremos comprar produtos que impliquem degradação ou destruição de ecossistemas e consequente possibilidade de redução de biodiversidade? Será que queremos continuar a aumentar a população humana e respectivos hábitos de consumo para aumentar ainda mais a pressão que estamos a exercer sobre o planeta?
Ou será que queremos ajudar a construir uma sociedade humana que consiga viver de forma equilibrada com a Natureza? Os que escolhem esta hipótese, certamente gostariam que, instantaneamente, todos os problemas que afectam o ambiente e a biodiversidade fossem resolvidos e, num piscar de olhos, passássemos a habitar essa sociedade humana. Mas essa transformação instantânea não é possível.
A nossa sociedade está assente sobre estruturas económicas, políticas e sociais, que são complexas e pesadas e vão sendo construídas ao longo do tempo. E, tal como acontece com um edifício, existem pilares que sustentam essas estruturas (podemos chamá-los de petróleo, lítio, salários para quem trabalha ou trabalhou, e outros). Fazer uma mudança repentina destes pilares implica o ruir de uma sociedade, com todas as consequências económicas, políticas e sociais que daí adviriam. Portanto, os pilares têm de ser substituídos gradualmente, ao longo do tempo.
Tentarei mostrar o que aconteceria se deixássemos subitamente de usar petróleo. A maior parte dos meios de transporte deixaria de funcionar porque, sem petróleo, não há gasolina, nem gasóleo, nem outros combustíveis criados a partir do petróleo. Sem meios de transporte, deixaria de ser possível distribuir os produtos pelos fabricantes e pelos retalhistas, significando ruptura de stocks e falta de matérias-primas (daqui resultando coisas como, por exemplo, a fome generalizada). Sem meios de transporte e sem produtos para vender, muitas empresas irão à falência, significando isso um desemprego em grande escala. Com muitas empresas a falirem, com desemprego generalizado e com um cenário de fome, a economia entra em colapso porque não há dinheiro nem a entrar, nem a circular. A par da queda da economia, acontece o colapso da política. O cenário que obtemos deste parágrafo em que ficámos sem petróleo é o caos. E para lidar com o caos, podemos colocar forças militares a gerir a situação. Não sei se será exactamente isto que aconteceria se ficássemos, subitamente, sem petróleo mas não deverá andar muito longe deste suposto cenário.
Não é praticável um rompimento súbito para criar uma sociedade humana com impacto reduzido no ambiente e na biodiversidade. Obter essa sociedade não é a mesma coisa que acendermos e apagarmos a luz através de um interruptor. É, antes, um processo longo e que tem de avançar por etapas. Claro que, ao longo das etapas, podemos questionar, por exemplo, o impacto negativo da indústria do lítio para respectiva aplicação nas baterias dos veículos eléctricos, dos smartphones e numa série de outros equipamentos.
Resumindo. No geral, convém integrarmos no nosso dia-a-dia determinados hábitos que ajudem a construir uma sociedade humana menos prejudicial para o ambiente e para a biodiversidade. Há coisas que podemos fazer no imediato como, por exemplo, reduzir a compra de produtos embalados em plástico descartável, sempre que possível andar a pé ou de bicicleta, evitar comprar produtos que causam degradação ou destruição de ecossistemas e evitar produtos que são prejudiciais para a biodiversidade. Mas há coisas que só podem ser feitas a médio ou longo prazo como, por exemplo, a redução da população humana global (para a qual precisamos de lidar com a passagem de gerações).
Muitas espécies que, actualmente, fazem parte da biodiversidade da Terra já estarão extintas daqui a uma ou duas gerações e os nossos filhos e netos já não as irão ter como vizinhas no planeta. É importante deixarmos um mundo mais saudável para essas gerações.