Os veículos eléctricos não são recentes, de décadas. Os primeiros surgiram no século XIX e, entre esses temos o veículo criado por Robert Anderson, durante a década de 1830, e os modelos construídos por Henry Morris e Pedro Salom, durante a década de 1890.
Foi uma caminhada razoavelmente longa até, finalmente, passarem a fazer parte das nossas vidas. E, nos dias que correm, é normal depararmo-nos com veículos eléctricos nas estradas. Têm sido apresentados como melhores para o meio ambiente por não emitirem gases com efeito de estufa e outros gases tóxicos, tal como acontece com os veículos de combustão interna e que precisam de gasolina ou de gasóleo para funcionarem.
O aquecimento global
O aquecimento global é, provavelmente, o problema ambiental mais popularizado. De facto, é tão popularizado que parece que não existem outros problemas. Os meios de comunicação informam-nos sobre as conferências acerca do tema que estão a acontecer, sobre os activistas que querem combater o aquecimento global, sobre manifestações que aconteceram sobre o fenómeno e sobre diversos outros eventos que andam em torno do aquecimento global. Mas existem vários outros problemas relacionados com o meio ambiente e com a biodiversidade que, apesar de terem também as suas conferências, os seus activistas e as suas manifestações, parece que possuem um lugar mais obscuro nos meios de comunicação. Talvez porque o aquecimento global pareça aos humanos uma ameaça maior que diversos outros problemas (apesar de poder não ser verdade). Talvez porque o tema do aquecimento global dê mais audiência. Talvez por qualquer outra razão que, de momento, me escapa (ou não).
Mas adiante. Continuemos com este escrito.
O estilo de vida que os humanos têm desenvolvido, em particular a partir da Revolução Industrial, é a causa do aquecimento global que estamos a atravessar actualmente. Este fenómeno pode ter causas naturais e, aliás, se recuarmos na História, encontramos períodos de aquecimento global que aconteceram antes da nossa espécie brotar no planeta Terra. Mas este que estamos a atravessar agora é provocado por nós devido à quantidade imensa de gases com efeito de estufa que temos vindo a enviar para a atmosfera.
Uma parte significativa desses gases que emitimos provém dos meios de transporte que utilizamos, entre eles, os que circulam nas estradas, nomeadamente os veículos a gasolina ou a gasóleo. Isto significa que esses meios de transporte são uma importante causa para o aquecimento global.
Apesar dos veículos eléctricos não emitirem gases com efeito de estufa quando em circulação nas estradas, não quer dizer que não o façam noutras fases do seu ciclo de vida. Quando analisamos o impacto no meio ambiente e na biodiversidade de um determinado produto, temos de percorrer todo o seu ciclo de vida e não apenas a fase em que está nas mãos do seu proprietário ou utilizador. E como qualquer produto que encontramos no nosso dia-a-dia, também os veículos eléctricos precisam de ser produzidos antes de chegarem ao ponto de venda. Muitos dos componentes que os constituem são semelhantes ou iguais àqueles que encontramos nos veículos de combustão interna: vidros, pneus, portas, volante, chassis e por aí adiante. E esses componentes precisam, também eles, da sua própria linha de produção e das suas próprias matérias-primas, que precisam de ser fabricadas ou extraídas. E, além disso, os componentes e as matérias-primas precisam de ser transportados das fábricas ou das minas, seja por camião, por comboio, por avião ou num navio. E estando nós a olhar para todo o ciclo de vida de uma viatura eléctrica temos, obviamente, de incluir estes meios de transporte no fabrico dessa mesma viatura porque foram eles que transportaram os seus componentes e matérias-primas.
Ora, se esses meios de transporte fazem uso de gasóleo (ou outro combustível produzido a partir de combustíveis fósseis), as emissões de gases com efeito de estufa deles resultantes são incluídas no ciclo de vida das viaturas eléctricas (no caso, durante a sua fase de produção). E mesmo que esses meios de transporte sejam eléctricos, temos de incluir a origem da electricidade que carrega as suas baterias porque se essa for produzida a partir de combustíveis fósseis, dá-se também a emissão de gases com efeito de estufa.
A dependência dos combustíveis fósseis e a electricidade

Uma parte significativa do petróleo que extraímos serve para produzir gasolina e gasóleo. E continuarmos a ter veículos com motores de combustão interna nas estradas servirá para dar continuidade à massiva extracção de petróleo que vai acontecendo mundo fora. Sem esquecer, claro, que esse é um factor propício para, volta e meia, ser motivo de notícia devido a um qualquer derrame que aconteceu (um fenómeno que tem consequências terríveis para milhões de seres vivos de diversas espécies).
Além da necessidade de extracção de petróleo, quando os veículos com motor a gasolina ou a gasóleo circulam nas estradas, emitem gases com efeito de estufa e, por esse motivo, contribuem para o aquecimento global. Portanto, à medida que nos formos livrando desse tipo de veículos, parece-me claro que reduziremos o vício de nos alimentarmos de petróleo. E parece ser isso um factor benéfico no que respeita a minimizarmos o aquecimento global. Apesar de me parecer que já não vamos a tempo.
Mas, por enquanto (um “enquanto” que se poderá estender durante, pelo menos, algumas décadas), vamos continuar a depender dos combustíveis fósseis para fazermos várias coisas. Posso, com certeza, colocar aqui a imensa lista de produtos que os possuem entre os seus ingredientes mas não me apetece fazer isso. Prefiro, simplesmente, manter-me numa das partes que diz respeito aos veículos eléctricos: a electricidade.
Os veículos eléctricos, como o próprio nome indica, precisam de electricidade para funcionarem. E esta energia é um dos produtos que tem vindo a precisar de combustíveis fósseis para a sua produção. É verdade que têm vindo a ser activadas formas mais limpas para produzir electricidade, ainda que não sejam totalmente limpas porque, mais uma vez, temos de observar todo o seu ciclo de vida e não apenas a fase em que produzem electricidade. Temos, portanto, de incluir a fase de produção e a fase de descarte. E mesmo quando olhamos apenas para a fase em que produzem electricidade vemos que, por exemplo, as turbinas eólicas podem tornar-se uma ameaça à vida das aves. Muitas são atingidas mortalmente pelas hélices que giram com o vento. Mas têm vindo a ser feitos alguns esforços para reduzir o seu impacto nas aves.
Ora, estando nós ainda dependentes de combustíveis fósseis para produzirmos parte da electricidade que consumimos, quer dizer que se carregarmos as baterias dos veículos eléctricos com electricidade que foi produzida a partir, por exemplo, do carvão ou do gás natural, estamos a manter a dependência desses combustíveis e estamos a contribuir para o aquecimento global. E podemos ir além do momento em que carregamos as baterias. Não esqueçamos que as fábricas que produzem os veículos eléctricos e todos os seus componentes, além da indústria mineira, claro, precisam também de electricidade para pôr a trabalhar a maquinaria, os computadores e tudo o resto. E, como é óbvio, essa electricidade tem também de ser produzida partir de uma qualquer fonte (seja ela o carvão, o gás natural, o Sol, o vento, a nuclear ou qualquer outra).
As baterias
O lítio tem vindo a ser motivo de notícia desde há algum tempo. Há, actualmente, diversos países muito empenhados em criar minas de lítio (Portugal é um desses países).
O lítio é um dos materiais essenciais para o fabrico das baterias recarregáveis que equipam os veículos eléctricos (e também para as baterias dos smartphones, dos tablets, dos computadores, das câmaras fotográficas e de diversos outros equipamentos). Mas a extracção deste material traz consequências devastadoras para o meio ambiente e para a biodiversidade, em particular, para a região onde se localiza a mina: degrada os ecossistemas (levando à perda de biodiversidade e matando muitos seres vivos), utiliza grandes quantidades de água, contamina o ar, o solo e a água devido às substâncias tóxicas utilizadas e cria problemas de saúde. O cobalto e o níquel são outros dos elementos necessários para o fabrico das baterias e as consequências da sua extracção não são melhores que as do lítio.
E temos, ainda, de resolver o problema do descarte das baterias dos veículos eléctricos e respectivos problemas ambientais que esse aspecto coloca.
Conclusão

Ao longo deste texto, toquei em diversos pontos relacionados com o meio ambiente e com a biodiversidade, partindo do ponto de vista dos veículos eléctricos: a sua contribuição para o aquecimento global, o seu consumo de combustíveis fósseis, o impacto que possui a extracção dos materiais necessários para o fabrico das suas baterias, o descarte das baterias e o consumo de electricidade.
Consta que estamos a caminhar rumo a uma sociedade menos descarbonizada e com mais mobilidade eléctrica. E até há quem diga que avançamos para uma sociedade menos descarbonizada e mais electrificada. Pessoalmente, creio que estes que defendem, por assim dizer, esta segunda hipótese querem dizer “mobilidade eléctrica” em vez de “mais electrificada”. Parece-me que a nossa sociedade já é electrificada e não me parece que precise de ser electrificada outra vez. Posso estar enganado nesta minha opinião mas se nós estamos rodeados por coisas que precisam de electricidade (desde frigoríficos até à maquinaria industrial) é porque estamos numa sociedade electrificada. Mas adiante porque estou a dispersar-me do conteúdo do escrito que se desenvolve ao longo de todos estes parágrafos. Dizia eu que consta que estamos a caminhar rumo a uma sociedade menos descarbonizada e com mais mobilidade eléctrica (ou seja, com mais meios de transporte eléctricos).
Descarbonizar a sociedade significa reduzir a dependência de combustíveis fósseis. O consumo desse tipo de combustíveis não é recente na História da humanidade. O carvão, por exemplo, é usado desde há vários milhares de anos. Mas foi a partir do século XVIII, com as transformações que começaram a ocorrer durante a Revolução Industrial, que a sua utilização se intensificou. E actualmente estamos rodeados por produtos que são produzidos a partir de combustíveis fósseis ou que possuem componentes criados a partir deles. Podemos ter como exemplos, a gasolina, o gasóleo, os plásticos, a electricidade, os cosméticos, a borracha sintética, o nylon e muitos outros.
Os combustíveis fósseis gerem a nossa vida, não apenas através da electricidade, da gasolina ou dos plásticos, que usamos todos os dias, mas também através da organização geo-política e económica mais ou menos conflituosa que acontece no nosso mundo. Uma organização que poderá passar a ser gerida pelo lítio que, relembremos, é um material essencial para o fabrico das baterias dos veículos eléctricos, dos smartphones, dos computadores e para uma série de outros equipamentos.
Substituir os veículos com motor de combustão interna por eléctricos é parte integrante do processo de descarbonização e, ao fazê-lo, estamos a tentar minimizar o aquecimento global. Além disso, sabemos que os combustíveis fósseis são prejudiciais para o meio ambiente e para a biodiversidade em diversos aspectos. E sabemos que não são renováveis, são finitos que, aliás, é uma particularidade que partilham com o lítio, o cobalto e o níquel, necessários para o fabrico das baterias dos veículos eléctricos.
Há, no entanto, um problema que brilha com todas as suas luzes. Por um lado, estamos a tentar combater o aquecimento global através da descarbonização, nomeadamente através da substituição dos veículos com motor de combustão interna pelos eléctricos. Mas por outro lado, para o fazermos estamos a aumentar a degradação e a destruição de ecossistemas e a contribuir para a redução da biodiversidade, devido a uma cada vez maior necessidade de extração das matérias-primas necessárias para o fabrico das baterias dos veículos eléctricos, cuja produção mostra tendências para aumentar. Portanto, ao mesmo tempo que se espera ainda irmos a tempo de minimizarmos o aquecimento global, estamos a criar um caminho para aumentar ainda mais a degradação e destruição de ecossistemas e a reduzir a biodiversidade.
Os veículos eléctricos até podem, no futuro, vir a ter um impacto negativo reduzido (ou mesmo neutro) no meio ambiente e na biodiversidade. Mas por enquanto, isso é algo que ainda não acontece. Há ainda um longo caminho a percorrer. É necessário resolver os problemas que existem na sua fase de produção, na fase em que estão nas mãos dos proprietários e na fase do descarte. Podemos dizer que, por enquanto, os veículos eléctricos ficam muito aquém do desejado.
Obviamente que temos de incluir um outro factor importante. Um factor que está relacionado com a quantidade de consumidores que existem na Terra. Actualmente há mais de oito mil milhões de seres humanos na Terra mas, como se espera, nem todos são proprietários de um automóvel. Ainda assim, estima-se em quase mil e quinhentos milhões a quantidade de automóveis que existem no nosso planeta (o que dará, aproximadamente, um automóvel para cada cinco seres humanos).
Parece-me claro que se fabricarmos globalmente um ou dois milhões de automóveis por ano, o impacto negativo no ambiente e na biodiversidade será menor do que aquele que existe quando olhamos para os valores mais próximos da realidade actual, de setenta ou oitenta milhões fabricados anualmente. Uma maior quantidade de consumidores implica uma maior necessidade de produção e uma maior necessidade de extracção de matérias-primas (e respectivas consequências). A implementação em grande escala do regime de teletrabalho poderá ser um factor benéfico porque poderá implicar uma menor necessidade de produzir automóveis devido a deixamos de ter necessidade de, diariamente, ir fisicamente para o emprego (e sabemos que uma parte considerável da população utiliza o automóvel).
Mas há uma vantagem que os veículos eléctricos possuem em relação aos de motor de combustão interna. Os eléctricos são mais silenciosos, portanto a poluição sonora que existe, principalmente, nas zonas urbanas diminui. Temos, obviamente, de contar com o ruído da rodagem dos pneus. Mas se retirarmos o ruído das acelerações dos motores a gasolina ou gasóleo será já um avanço rumo a uma sociedade humana mais silenciosa.
Os meios de transporte, no seu todo, tornaram-se essenciais para a nossa sociedade. Foram e são um elemento-chave no percurso que os humanos vão fazendo na Terra e para fora dela. Antes limitavam-se aos cavalos, aos bois e aos pequenos barcos impulsionados por remos ou com os nossos braços e, actualmente, os veículos espaciais tornaram-se reais. Muito do que a nossa espécie conseguiu atingir não teria sido possível sem meios de transporte.
Os veículos que utilizamos para nos locomover de um lugar para outro são uma força potente que gere muitos aspectos do mundo em que vivemos. Mas têm o seu lado benéfico e o seu lado prejudicial. Foi à custa do petróleo que chegámos a todos os lugares do planeta. Com os veículos eléctricos passará a ser à custa do lítio, do cobalto e do níquel. Será que alguma vez vamos ter meios de transporte que não tenham um lado prejudicial para o ambiente e para a a biodiversidade?