Os novos tempos da Lua

Como bem sabeis, a Lua é aquela coisa redonda e cinzenta que se afigura no céu diurno e nocturno que envolve o planeta ao qual damos o nome de Terra. É um seu satélite natural e com ele vive há uma carrada de tempo. E sabeis, provavelmente, que outros planetas do nosso Sistema Solar também ostentam satélites. Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno são eles. E até Plutão, que foi despromovido há uns anos, vive em conformidade com os seus, tal como acontece com Éris e Haumea.

Mas centremos a nossa atenção na Lua, pois que é sobre ela que pretendo inclinar as palavras do escrito que agora tendes diante de vós. E ela estar ali, a uma distância média da Terra de cerca de trezentos e oitenta e quatro mil quilómetros, é motivo mais do que suficiente para que nós, estando aqui, queiramos depositar as nossas pegadas na sua superfície. Um acontecido no ido ano de 1969 e que nos foi presenteado via televisão e decorado com certa frase que não me apetece repetir porque é sobejamente conhecida. Porém, havíamos já chegado à superfície lunar antes da famosa pegada e respectiva frase, dez anos antes para ser mais exacto. Um veículo de fabrico soviético conseguiu essa proeza ao ser intencionalmente despenhado contra o chão da Lua. Mas houve uma alunagem digna desse nome, em 1966, conseguida por um outro veículo vindo do mesmo país.

Era no tempo da corrida espacial entre os Estados Unidos e a União Soviética, com ambos tentando ser o primeiro a alcançar regiões para além da Terra, a pousar noutros planetas e a colocar humanos em mundos diversos. E aqueles que moravam por trás do muro obscuro até levavam vantagem na competição, tendo sido os primeiros, na segunda metade dos anos cinquenta do século XX, a colocarem em órbita da Terra o primeiro satélite artificial e, poucos anos depois, a levarem o primeiro humano para o espaço. Uma vantagem que, afinal, não era assim tão clara, pois as coisas andavam mais ou menos ela por ela, numa base de agora ganhaste tu e agora ganhei eu. Mas, enfim, era o prestígio nacional (e de ideologias políticas) que estava em causa, além de importâncias a nível militar e económica. E a corrida espacial não se dirigia apenas para a Lua. Vénus, Marte e outros mundos e locais eram também objectivos a conseguir.

Mas não pretendo debruçar-me sobre quem conseguiu o quê porque teria de criar uma extensa lista de missões espaciais, das bem sucedidas às outras de insucesso, passando por aquelas que nem existiram oficialmente. Pretendo, em vez disso, quedar-me sobre um aspecto particular da corrida espacial e até de outras explorações que fomos desenvolvendo ao longo da História humana. Um aspecto ao qual podemos dar o nome de “pisar fisicamente o chão de outro mundo” e que, em alguns casos (como na Lua), pode deixar pegadas.

Comecemos, então, por recuar uns séculos e caiamos numa qualquer década do século XVI quando, ao que parece, não tínhamos conhecimentos que nos permitissem construir veículos que operassem remotamente a partir de um centro de comando longínquo. Era, pois, necessário, conduzi-los a partir do seu interior, juntando-lhe uma tripulação de gente com funções de ordem vária e, por isso, incluíam-se humanos nas naves marítimas que atravessavam os oceanos em busca do mundo desconhecido. Nesses tempos, e após o percorrer da rota definida, ouvia-se algo como “Terra à vista!” ou outro aviso de espécie semelhante e, certo tempo depois, chegava uma equipa ao solo avistado, pisando-o e marcando-o com pegadas (enquanto as ondas não apagassem as marcas).

Posteriormente, regressavam as notícias à pátria, informando que o objectivo fora conseguido e que vários indivíduos da expedição pisaram o solo do outro lado do oceano. E todo um cenário económico, político, militar e até científico era criado a partir da nova terra encontrada. Além do prestígio nacional, claro. E surgiam colónias e colonizadores e rotas de comércio e demais coisas das passíveis de acontecer. Os humanos haviam chegado à terra distante. E, por vezes, até encontravam outros que já habitavam nessa terra distante.

Mas agora, neste dia em que escrevo, na segunda década do século XXI, já conseguimos construir veículos que podem ser guiados à distância e que não precisam de humanos no seu interior para os irem orientando rota fora como, aliás, tem vindo a acontecer desde há décadas. As sondas espaciais são controladas a partir de um centro de comando baseado na Terra e os veículos que exploram as profundezas dos oceanos são guiados a partir de um navio que aguarda na superfície da água. E até já conseguimos programar uma rota específica num veículo e deixá-lo seguir esse percurso sem ser necessário dar-lhe mais instruções ao longo do trajecto. Mas conseguimos, de facto, controlar veículos remotamente para executarem missões sem ser necessário colocar humanos no interior desses mesmos veículos.

Claro que a minha afirmação do parágrafo anterior pode estar a incorrer em alguma falha, já que eu não sou especialista em assuntos desse tipo e até poderá haver certas situações em que a presença física de um humano no local a explorar terá a sua utilidade. Mas é um facto que em muitos casos, talvez a maioria, não precisamos de enviar ninguém a tal local. E, além disso, quanto mais para a frente avançamos no tempo, menos necessidade temos de enviar alguém porque temos de contar com os adventos tecnológicos que vão criando organismos artificiais cada vez mais elaborados e pensantes. Comparemos, por exemplo, o que tínhamos à disposição no ano 1600 e em 1969, com aquilo que temos em 2024 e aquilo que poderemos ter no ano 2500. E se não podemos, nem sequer de perto, comparar o corpo de conhecimentos que possuíamos em 1969 com o de 2024, imagine-se o cenário que poderá existir no dealbar do século XXVI.

Posto isto, e apesar dos conhecimentos e tecnologias que temos já à disposição, o facto é que a presença de humanos nos locais a explorar ainda vai tendo o seu valor. E a Lua está, novamente, no centro das atenções, podendo vir a receber visitantes terrestres ainda durante a segunda década do século XXI. É, provavelmente, a entrada na segunda fase da nossa viagem para fora da Terra. Serão, talvez, os inícios dos inícios da primeira colónia humana noutro planeta. Antes eram criadas noutros continentes como em África ou na América e, a partir de agora, sê-lo-ão na Lua, em Marte e noutros mundos.

E diga-se de passagem que a chegada física de um humano a um qualquer local distante tem o seu quê de especial. E talvez mais ainda quando esse local fica fora da Terra. É como se toda a humanidade se revisse e se identificasse com o feito conseguido. É certo que há uns quantos que preferem ignorar o feito por razões de ideologia ou até dizer que tudo não passa de uma teoria da conspiração. Mas, enfim. Cada um sabe de si.

Parece que a chegada de um humano a outro planeta (ou, até, ao fundo do mar) tem um sabor diferente daquele que encontramos na chegada de um veículo sem humanos. Quero dizer com isto que é suficientemente conhecido que a primeira pegada humana na Lua aconteceu em 1969 e até sabemos o nome do astronauta (e, provavelmente, dos seus colegas de viagem). Mas quantos de nós sabem que a primeira alunagem de um veículo na Lua aconteceu anos antes desse dia histórico? E quantos sabem o nome desse veículo espacial que tocou o solo lunar?

E na mesma, ir-se-á relembrar o dia e o nome do humano que deixar as primeiras pegadas em Marte mas quantos de nós sabem (ou saberão) que a primeira chegada com sucesso à superfície marciana aconteceu em 1971? Foi um sucesso parcial porque a sonda ficou operacional durante apenas uns segundos. Mas temos, em 1976, o primeiro grande sucesso em Marte, através da sonda Viking 1, norte-americana. E este é mais um caso em que os soviéticos chegaram primeiro mas os Estados Unidos ganharam (e nem precisaram de meter gente em Marte). Mas, como escrevi anteriormente, não estou interessado em apontar quem conseguiu o quê porque não estamos a falar de uma corrida num sentido desportivo em que há um princípio e uma meta que sela o vencedor.

A corrida ao espaço, para manter a denominação conhecida, é composta por uma imensa série de passos menores, cada um contribuindo para a expansão da espécie humana para fora da Terra. E nem podemos dizer que haja um fim, como numa corrida desportiva. Há, em vez disso, um acumular de experiências, de avanços e de conhecimentos que, no seu todo, marcam pontos mais ou menos importantes rumo à colonização de outros planetas, de satélites e por aí adiante, além de saberes científicos e outros que são adquiridos.

Podemos, obviamente, preferir que aquele país ou que aquela entidade privada consiga alcançar o planeta tal ou que consiga desenvolver um sistema de propulsão inovador que irá reduzir o tempo de viagem até não sei onde. E se antes estávamos reduzidos aos Estados Unidos e à União Soviética, agora temos mais actores, como a Agência Espacial Europeia, o Japão, a Índia e a China, para mencionar apenas alguns, aos quais se juntam várias empresas empenhadas no assunto. E mesmo que feitos importantes sejam conseguidos por países que seguem sistemas políticos que apontem para zonas extremistas ou de ditadura, não podemos negar que são feitos importantes e que contribuem para um todo maior que é a expansão humana para fora da Terra.

E parece-me que a expansão humana para fora da Terra implica que indivíduos da espécie humana se façam surgir em lugares nunca dantes habitados e que se situam muito além de certa ilha asiática. Pelo menos, assim é na actualidade. Mas num futuro de algures, quando o organismo humano for parcial ou totalmente sintético (ou até quando andróides habitarem entre nós, como nos filmes de ficção científica), a diferença entre a chegada de um humano e a chegada de um andróide a outro planeta deverá ser irrelevante. E até caminhamos velozmente para esse tempo que aí vem.

E a Lua está ali, quase à distância do lançamento de um avião de papel, ainda que seja pedir demasiado a tão frágil veículo. Não estou, sequer, em crer que fosse ele capaz de atingir a velocidade de escape, tão necessária para fugir ao campo gravitacional da Terra. Porém, parece-me que tal exemplo é suficiente para perceber a ideia da proximidade a que estamos da Lua quando comparada à distância relativamente a outros planetas, satélites e sistemas solares. É que a Lua está mesmo já ali ao virar da esquina, como se costuma dizer. Avancemos, portanto, para a Lua antes de Marte e de outros lugares. Se bem que Marte está também muito perto.

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