Os nossos vizinhos de outras espécies

Há uns dias estava eu dentro do carro, seguindo do ponto A para o ponto B quando, subitamente, uma longa fila de trânsito se apresentou diante de mim, numa estrada que, àquela hora, costuma ter algum congestionamento mas nada como nesse dia. Pensei que tivesse acontecido algum problema mais adiante e que fosse esse a causa da grande concentração de veículos sem movimento. Mas, repentinamente, o trânsito começou a fluir normalmente e nem sequer percebi a causa do anormal volume de veículos parados. Mas não é esse o tema deste texto. O que verdadeiramente quero abordar aqui foi um facto que me despertou interesse e até felicidade.

Estava eu parado no carro, aguardando o normal fluir do trânsito, quando uma garça atravessou os céus, uns vinte metros acima dos veículos. Eu estava num ângulo de observação um pouco complicado mas pareceu-me ser uma garça-real (Ardea cinerea). A visão dessa ave deu-me a ideia para este escrito que vai surgindo à medida que vou teclando no meu computador e que, na prática, começa no parágrafo que se segue de imediato.

Um parte muito considerável da sociedade humana está demasiado fechada em si própria e está demasiado atarefada consigo própria. É o emprego, é a carreira profissional, é a família, é a ida aos supermercados, é o pagar das contas, é a rotina diária, são as pressões sociais, são as guerras do mundo… Enfim, há muito por onde escolher. Está tão atarefada consigo própria que parece esquecer-se de observar o planeta que habita. Há até um desfasamento em relação à Natureza, algo que me parece que é mais acentuado na vida nas cidades. A poluição luminosa não permite ver as estrelas, a biodiversidade que existe nas zonas urbanizadas é pobre, a poluição sonora não permite ouvir convenientemente o cantar das aves, dificilmente nos apercebemos dos solstícios e dos equinócios e os ciclos da Natureza tornam-se invisíveis.

Porém, há algo que é inegável: a espécie humana não é a única no mundo e nem é dona do planeta. Os humanos são apenas uma espécie que faz parte da biodiversidade terrestre e partilhamos o planeta com o chapim azul, a águia-de-asa-redonda, a gralha-preta, a abelha do mel, a mosca-das-flores-alongada, a lebre, o javali e temos ainda as plantas, os fungos, os peixes, os répteis e por aí adiante. E uma tarefa interessante e enriquecedora que podemos desenvolver é fotografar os indivíduos que vamos encontrando pelo caminho. Sair de casa com a câmara fotográfica ou com o smartphone e fotografar as aves, os insectos, os répteis, os mamíferos, as plantas e os fungos, sem esquecer os peixes, os anfíbios e os moluscos.

E isto porquê? Em primeiro lugar, observamo-los ao vivo, observamos o seu comportamento, ouvimos ao vivo o som do cantar das aves ou o zumbido das asas dos insectos, percebemos o cheiro das flores e o nosso tacto sente a textura das folhas. E tudo isto é melhor do que observarmos as espécies numa fotografia ou num filme.

Em segundo lugar, podemos participar em projectos como o iNaturalist (onde eu também participo) ou noutros projectos semelhantes. E além das observações fotográficas que lá partilhamos, podemos, com isso, contribuir para o registo da biodiversidade existente numa ou em várias regiões do planeta.

Em terceiro lugar, a participação em projectos desse tipo dá-nos os conhecimentos e a experiência para conseguirmos identificar várias espécies e, por exemplo, um insecto cor de laranja e preto e com asas deixa de ser apenas conhecido como tal e passa a ser uma mosca-das-flores-comum (Episyrphus balteatus).

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