Estou razoavelmente certo ao afirmar que a esmagadora maioria dos humanos que habitam o planeta Terra teve já encontros mais ou menos imediatos com um objecto ao qual se dá o nome de carrinho de supermercado. Tais encontros acontecem com frequência nas proximidades desses retalhistas por ser essa a rota de passagem dos referidos veículos.
Em geral, apresentam uma forma aproximadamente paralelepipédica, sendo inexistente a face do topo, o que lhe dá um aspecto de receptáculo. Na parte traseira possuem algo que se assemelha a uma barra horizontal (talvez para dar a estabilidade que precisam enquanto voam) e, na parte inferior do veículo, existem quatro rodas, necessárias para aterrarem e movimentarem-se pelo chão.
Consta que esses objectos deixam de ter capacidade de impulso assim que chegam ao nosso planeta. Talvez o combustível que usem para atravessar o mundo extra Sistema Solar não se adeque à composição da atmosfera da Terra. Isto significa que ficam onde aterraram. Querendo também dizer com isto que se não houver nenhuma força a impulsioná-los, eles não se movimentam para parte alguma. E, certamente, este facto é sobejamente conhecido por todos os humanos que já avistaram carrinhos de supermercado.
Apesar de desconhecermos qual o planeta de origem dos carrinhos, é um facto que prestam um serviço útil aos humanos, formando com eles uma parceria temporária. É de extraordinária normalidade encontrarmos os da nossa espécie acoplados a esses veículos quando percorrem os corredores dos supermercados. As mãos dos humanos posicionam-se na tal barra horizontal que existe na parte de trás do carrinho e à medida que cada qual caminha, o carrinho avança na frente, impulsionado pelas passadas consecutivas de quem o empurra. Estas são, por vezes, interrompidas quando se torna necessário fazer uso do espaço oco da forma paralelepipédica que cada veículo apresenta. É, pois, nesse local que os humanos vão colocando os produtos que vão retirando das prateleiras dos supermercados. Após completa a lista de compras, é tarefa de cada humano passar pela linha de caixas e sair do edifício, rumo ao meio de transporte que o espera (um automóvel, um autocarro, outro ou até seguir a pé).
Os carrinhos de supermercado, quando não estão a ser usados, costumam ser estacionados em local próprio que, conforme o retalhista, tanto pode encontrar-se no interior do edifício como no exterior e, por vezes, em ambos os locais. E parece-me que este facto é também sobejamente conhecido pelos humanos que visitam supermercados. E, por norma, quem precisa de um, retira-o da fila de carrinhos e, depois das compras e após a colocação das mesmas dentro do automóvel (ou qualquer outra situação similar), quem retirou o carrinho, leva-o novamente para a fila onde se estacionam os carrinhos, lá o deixando, devidamente arrumado, à espera que um qualquer outro humano faça uso dele.
Porém, há uns quantos humanos que não percebem esta regra simples de utilizar carrinhos de supermercado que, como já sabemos, não têm impulso próprio e precisam sempre que uma força que lhes é exterior os empurre. Esses humanos, ao chegarem ao supermercado, retiram o carrinho do local onde se arrumam os carrinhos e, após as compras, decidem deixá-lo algures, muitas vezes em algum lugar do parque de estacionamento para automóveis (provavelmente nas imediações do lugar ocupado pela viatura em que tais humanos se fizeram transportar).
Talvez o civismo seja um conceito estranho a esses humanos. É um pouco como aqueles outros que estacionam o carro, ocupando dois ou três lugares porque, talvez, cada pneu tenha uma preferência e queira ocupar um determinado lugar. E para evitar zangas entre os pneus, o condutor ou a condutora decide respeitar o desejo de cada pneu.
Mas voltando aos carrinhos de supermercado. Aliás, aos humanos que não arrumam esses carrinhos.
Eu tenho a certeza total ou quase total que esses indivíduos da espécie humana sabem onde se deve arrumar o carrinho após o seu uso. Nem que seja porque, muito provavelmente, é lá que o vão buscar.
Não me parece que esses humanos acreditem que há duendes que vivem nas imediações dos supermercados e cuja tarefa é recolher os carrinhos deixados à toa e arrumá-los convenientemente. Portanto, se eles têm esse nível de sapiência, não seria suposto arrumarem o carrinho no sítio que lhe é destinado após o seu uso?
Parece que sim mas, por alguma estranha razão, preferem não o fazer. Ou talvez acreditem mesmo nos duendes. Ou talvez achem que o carrinho se irá arrumar sozinho, movido por alguma força antigravitacional. Ou talvez concluam que existe algum outro humano que dedique tempo e energia à arrumação de tal carrinho, mesmo que não seja essa a tarefa que lhe cabe. Ou talvez, simplesmente, se estejam a borrifar com todos os borrifos que quiserem emanar de si próprios e não queiram compreender que há certas regras que devemos respeitar na nossa vida em sociedade.
Ou, talvez, eu deva calar as palavras que sigo por aqui. Não vá alguma delas ferir a consciência desses humanos que não arrumam carrinhos de supermercado, achando eles que eu os estou a ofender de forma escabrosa.