Quando viajamos estrada fora, no interior de uma viatura que rola sobre pneus, dificilmente conseguimos ignorar o surgimento de uma cidade à distância. Começamos por ver uns edifícios ao longe, perto da linha do horizonte e, à medida que nos vamos aproximando desse aglomerado populacional, os edifícios vão como que brotando da terra. E claro que começamos a ver cada vez mais trânsito automóvel, mais infraestruturas, fábricas, centros comerciais e talvez um avião e um comboio a passar. É como se estivéssemos a aproximar-nos de um um mundo em ebulição que, por fim, nos engole quando entramos na cidade e somos envolvidos pelos seus edifícios.
Claro está que nem todos os aglomerados populacionais respondem a esse retrato. Há, pois, uns que albergam uma maior quantidade de habitantes e concentram diversos sectores de actividade e esses tendem a ser mais fervilhantes e mais ruidosos. E outros, mais pacatos e silenciosos, são pequenas aldeias com meia dúzia de casas. Mas apesar destas diferenças, todas as localidades respondem a um ponto em comum: são locais de residência dos seres humanos.
A população humana e a expansão urbana
A espécie humana tende a viver em grupos e a interagir entre si enquanto indivíduos e enquanto comunidades. Obviamente que há espécimes que preferem manter-se mais isolados e com reduzido contacto com outros indivíduos mas quando olhamos para o cenário global, facilmente percebemos que o Homo sapiens agrupa-se em comunidades. E as aldeias, as vilas e as cidades são o resultado desse agrupamento.
Porém, nos inícios, não conhecíamos a vulgo “casa” (como actualmente a entendemos) e dormíamos em árvores ou em cavernas. As primeiras estruturas habitacionais artificialmente erigidas deverão ter surgido após esses tempos arborícolas e cavernícolas e, actualmente, fazemos uso de tijolos, de betão e de outros materiais para erguermos os edifícios que nos servem de residência ou de local de trabalho.
Ora, havendo indivíduos a viver em comunidade, é natural que haja troca de informações, de conhecimentos e de comércio e os aglomerados populacionais, como as cidades, por exemplo, eram e continuam a ser, centros de cultura, de negócio, de conhecimento, de pesquisa científica, de educação e de oportunidade de emprego. Estes factores são mais do que suficientes para que, ao longo da História, tenham permitido a fixação de habitantes nas localidades e também para que outros vão rumando para as zonas urbanas para aí fazerem ou refazerem as suas vidas. Obviamente que os indivíduos que preferem habitar isoladamente, longe das áreas urbanizadas, poderão não estar desfazados da realidade ou dos conhecimentos contemporâneos e, muitas vezes, estão mesmo mais evoluídos nesses aspectos. Mas como este texto é acerca das aglomerações populacionais e não acerca dos indivíduos da espécie humana que proliferam na Terra, não irei abordar o facto de uns preferirem (seja por que razão for) habitar em comunidades e outros de optarem por um estilo de vida mais solitário e longe das cidades.
Adiante. Dizia eu que as cidades tendem a fixar e a atrair habitantes. E até podemos dizer que, ao longo da História, e no geral, as aglomerações populacionais (como as cidades e os seus arredores) tendem a aumentar a sua população residente. Mas claro que nem sempre isso acontece porque enquanto há localidades que vão mantendo ou aumentando a sua população, outras há que a vão perdendo.
Tudo isto para dizer que as aglomerações populacionais só existem enquanto houver população que nelas resida (e trabalhe). E isto é mais ou menos o mesmo que dizer que quanto maior for a população humana, mais extensas são as áreas urbanizadas. Ou, numa forma mais correcta, quanto maior a população humana, mais necessidade existe de construir edifícios para residir e/ou para sediar comércio e indústria, além de uma série de infraestruturas de apoio, como estradas e aeroportos. E, por isso, as cidades vão aumentando em tamanho e ocupando uma área cada vez maior da superfície terrestre. E há-de chegar o tempo em que vamos começar a habitar os oceanos e a órbita da Terra, mas deixemos de parte estes assuntos do futuro para nos dedicarmos ao presente.
O fenómeno do aumento da área urbanizada acontece um pouco por todo o mundo mas com maior incidência em determinadas regiões que, por alguma razão, mostram-se mais atractivas. E sabendo nós que a população humana global tem vindo a aumentar parece-me correcto dizer que vamos continuar a tendência de aumento da construção de edifícios e de infraestruturas durante, pelo menos, até ao final do século XXI, altura em que, segundo as projecções das Nações Unidas, a quantidade de população humana poderá estabilizar ou até diminuir. Porém, há uma série de variáveis que estão em causa numa projecção deste tipo e a tendência poderá ser alterada e, em vez do anunciado, a população global continuar a aumentar.
Independentemente do cenário populacional que aconteça no decorrer do actual século XXI e nos vindouros, a espécie humana vai continuar a habitar a Terra durante os próximos tempos (mesmo que lá para o século XXII iniciemos a colonização da Lua, de Marte ou de outro mundo). E como as coisas mudam ao longo do tempo e nada está parado, a Terra do século XXII ou XXIII será diferente da actual do século XXI, não necessariamente em relação ao formato das cordilheiras ou dos oceanos (ainda que estes possam sofrer modificações), mas sobretudo na forma como a nossa espécie vive. A tecnologia será mais desenvolvida, os meios de transporte serão diferentes e, claro, os edifícios em que vivemos e trabalhamos serão também diferentes. Se olharmos, por exemplo, para a arquitectura urbana do século XIX (desde a planificação das próprias cidades até aos edifícios propriamente ditos) encontramos diversas diferenças em relação ao que se nos apresenta na actual segunda década do século XXI em que escrevo este artigo. E mesmo os edifícios não são eternos e chega um momento em que é necessário decidir pela sua conservação ou pela sua demolição para, no seu lugar, serem construídos novos edifícios, um jardim, um parque de estacionamento ou qualquer outra coisa.
Há, porém, um factor notório que tem vindo a acontecer à medida que o tempo vai avançando e que está directamente relacionado com a nossa espécie: o mundo em que habitamos está a tornar-se profundamente humanizado. A espécie humana está como que a esculpir o planeta Terra à sua medida devido a factores que vão desde as necessidades de consumo, até à má gestão dos recursos naturais, passando pela sobrepopulação humana e pela tardia resposta em relação aos problemas ambientais e da preservação da biodiversidade. E claro que não podemos negar as consequências da expansão urbana.
Debrucemo-nos, então, sobre o impacto que a expansão urbana possui na biodiversidade. E permitam-me ir um pouco além desse tema e abranger outros assuntos que estão relacionados com as cidades. Mas antes de avançar, sinto necessidade de fazer notar o seguinte: a espécie humana é parte integrante da biodiversidade terrestre. O Homo sapiens é apenas uma de milhões de espécies que habitam a Terra. No entanto, neste texto abordo apenas o impacto nas outras espécies que não a humana. Portanto, um título alternativo para este artigo poderá ser “O impacto que a expansão urbana da espécie humana possui nas espécies não humanas”.
Degradação e destruição de ecossistemas
Várias das minhas leitoras e vários dos meus leitores, certamente se lembrarão de lugares que há uns vinte ou trinta anos eram uma floresta ou um prado e que foram eliminados para dar lugar à construção de edifícios. As árvores e as flores que ali haviam desapareceram e, no seu lugar foram construídas estradas, zonas residenciais, comerciais ou industriais. E deverão também lembrar-se que, há uns anos, a localidade A estava separada da localidade B e agora estão ambas unidas ou quase unidas, confundindo-se o final de uma com o início da outra. O avanço de uma localidade em direcção à outra e os novos edifícios e estradas que apareceram entre ambas surgiram à custa da destruição de bosques, de prados e de outro tipo de paisagem.
Escusado será dizer que esses bosques e prados não estavam (apenas) a enfeitar a paisagem. Eles, além de serem si próprios, eram a casa de inúmeras espécies de aves, de mamíferos, de insectos, de répteis, de plantas, de anfíbios e por aí adiante. Era aí que esses seres vivos viviam as suas vidas. Era lá que se alimentavam, que tinham os seus filhos e que tinham a sua comunidade. E porque os seres humanos decidiram transformar os seus habitats em zona urbana, os ecossistemas que lá estavam estabelecidos foram degradados ou destruídos. Portanto, o aumento da área urbanizada retira às diversas espécies o território, as fontes de alimento e dificulta as condições necessárias para a sua reprodução e pode até pôr em causa a sua existência enquanto espécie. E isto acontece não apenas com a expansão urbana e respectivas zonas residenciais, comerciais e industriais, mas também com a expansão das zonas turísticas, através da construção de hóteis e de outro tipo de infraestruturas relacionadas com o turismo.
Portanto, se estamos a conquistar espaço natural, invadindo, degradando e destruindo ecossistemas, estamos a dificultar as condições de vida e de reprodução das diversas espécies que viviam nesses ecossistemas (e até para além deles) e muitas estão a ser empurradas para a extinção. Segundo a IUCN Red List of Threatened Species são milhares, entre elas a saracura-de-flancos-lisos (Rallus wetmorei), o búteo-cinzento (Buteogallus coronatus), a tartaruga de carapaça mole do Yangtzé (Rafetus swinhoei), o elefante asiático (Elephas maximus) e muitas outras (Megalagrion xanthomelas, Mantella aurantiaca, Brachylophus bulabula, Crocidura canariensis, Bubalus depressicornis, Phapitreron cinereiceps, Poecilimon pindos, etc). A lista é imensamente longa. A expansão da área urbanizada e também da turística é uma das causas, entre várias outras, que coloca estas espécies em risco de extinção.
E como podemos nós resolver este problema? Como podemos nós minimizar o impacto que a expansão urbana tem na biodiversidade?
A primeira solução será, obviamente, a redução da população humana global. Ao fazê-lo, teremos menos necessidade de construir zonas residenciais, comerciais e industriais e outras infraestruturas (como estradas, aeroportos, centrais eléctricas e por aí adiante). Mas reduzir a população humana global não é um processo que se possa fazer em pouco tempo. É, antes, uma situação que se estende por décadas porque implica o passar de gerações para que, gradualmente, a população possa ir diminuindo. Num outro texto escrevi acerca do impacto da sobrepopulação humana e não irei, por isso, aprofundar esse tema. Mas convido a minha leitora e o meu leitor a dar-lhe uma vista de olhos, clicando aqui.
Outra solução que poderá ser salutar é optar pela expansão urbana na vertical (através da construção de arranha-céus residenciais, comerciais e industriais), em vez de o fazermos horizontalmente, avançando pela paisagem e arrasando-a. Cada arranha-céus ou bloco de arranha-céus poderá conter, por exemplo, uma parte residencial, outra comercial e/ou industrial e até uma parte desportiva e outra relacionada com a cultura, e assim, cada morador poderá nem ter necessidade de se deslocar para longe para se dedicar aos seus afazeres.
É também importante o reaproveitamento das zonas com edifícios que, por uma ou por outra razão, foram abandonados, um aspecto que existe em muitas cidades. Mas, várias vezes (por razões de ordem vária), esta hipótese não é a escolhida, optando-se, em vez disso, por construir em áreas novas, na periferia das cidades, com a consequente expansão da área urbanizada e mantendo a inutilidade dessas zonas abandonadas.
Uma outra solução é aquela que várias áreas urbanizadas mundo fora têm aplicado que é a de desenvolver planos de urbanização que contemplam a preservação da biodiversidade, fazendo uso, por exemplo, de corredores verdes.
Sigamos agora para outros factores que existem nas cidades e afins e que têm impacto na biodiversidade que existe nas zonas urbanizadas ou que está, simplesmente, de passagem.
Poluição luminosa
A electricidade revolucionou a forma como vivemos, tanto que estamos dependentes dela. Utilizamo-la para tudo, desde iluminar as ruas e as casas durante a noite, até colocar em funcionamento o frigorífico e a torradeira, passando por carregar as baterias dos smartphones e dos veículos eléctricos, fazer funcionar a maquinaria das fábricas, ligar a guitarra eléctrica, ligar os sistemas de refrigeração dos supermercados e para uma série de outras coisas. Imagine, prezada leitora ou prezado leitor que, repentinamente, a energia eléctrica desaparecia da nossa sociedade. Se isso acontecesse, o mundo como o conhecemos pararia e, muito provavelmente, mergulharia numa situação algo caótica devido à falta de alimentos, de comunicações e de muitas actividades e serviços que estão dependentes da electricidade. Seguir-se-ia uma necessidade de adaptação (ou de readaptação para ser mais preciso) a esses “novos” tempos sem electricidade mas até que a ordem regressasse, muita coisa iria mudar nesta sociedade que criámos. Mas estou a afastar-me do tema. Regressemos, por isso, ao ponto em que estamos dependentes da electricidade.
Obviamente que nem todas as sociedades humanas sofrem desta dependência da energia eléctrica. Há umas quantas que não precisam dela e fazem toda a sua vida sem recorrer a nada passível de ser ligado a uma tomada ou algo semelhante. E claro que há países em que uma parte considerável da população não tem acesso à electricidade. No entanto, creio que a tendência será a rede eléctrica abranger uma percentagem cada vez maior da população global. Sem esquecer, claro, que cada um de nós é livre de escolher se pretende ou não estar ligado à rede eléctrica ou até se quer fazer uso da electricidade.
Não podemos negar a utilidade que a electricidade trouxe às nossas vidas. Mas há um aspecto que está relacionado com a energia eléctrica que se torna problemático. Durante a noite, nas zonas urbanizadas, temos postes para iluminar as ruas, temos os cartazes publicitários (incluindo os ecrãs LED), temos os faróis dos automóveis, os estádios, os parques de estacionamento, os centros comerciais… Enfim, não quero listar tudo quanto faz uso de iluminação eléctrica durante a noite. E agregado à iluminação nocturna surge algo que recebe o nome de “poluição luminosa”, que se define como sendo a iluminação excessiva, mal direccionada ou desnecessária.
Toda esta iluminação nocturna, mais ou menos poluente, torna-se um factor perturbador para a biodiversidade. Por exemplo: desorienta o vôo das aves migratórias (cuja viagem, em muitas espécies, acontece durante a noite), levando-as a colidir com edifícios e outras estruturas artificiais, resultando numa elevada taxa de mortalidade. Outro exemplo: perturba os ritmos circadianos de diversas espécies. Ainda outro exemplo: muitas espécies são nocturnas e a existência de iluminação numa altura em que, naturalmente, existe a escuridão da noite dificulta-lhes o modo de vida. E há mais algumas situações que são criadas mas as que avancei são suficientes para percebermos que a nossa iluminação nocturna possui consequências nas outras espécies.
Diversas cidades um pouco por todo o mundo têm vindo a tomar algumas precauções para minimizar o efeito da poluição luminosa nas diversas espécies mas há ainda muito a fazer. Por exemplo, há zonas que permanecem iluminadas (e até fortemente iluminadas) durante a noite, sem haver a mínima necessidade disso. Os cartazes publicitários, em particular os ecrãs LED são também uma fonte de poluição luminosa. E, claro, há aquelas cidades que até se esquecem que é de noite, de tanta iluminação que nelas existe.
Poluição sonora
Tal como a poluição luminosa, a poluição sonora é algo que está presente nas cidades e ambas tendem a acompanhar a expansão urbana. Mas enquanto a primeira tem origem nas fontes mencionadas acima, a segunda provém do trânsito automóvel, dos aviões que vão passando, da maquinaria usada na construção civil e até de algumas indústrias, referindo apenas algumas das fontes.
Sem estar a mencionar nenhuma classe, família ou espécie em particular, e ilustrando como um apanhado do todo, a cacofonia existente nas áreas urbanizadas não é a coisa mais saudável e afecta a saúde e a vida de diversas espécies. Provoca-lhes stress e ansiedade e respectivos problemas de saúde originados por esses factores. Perturba-lhes a comunicação durante a época de reprodução, dificultando essa fase das suas vidas. Dificulta-lhes a emissão e a recepção de mensagens de alerta que informam sobre a presença de um predador nas proximidades. E dificulta-lhes a caça por terem dificuldade em ouvir a presa.
Para resolver o problema da poluição sonora precisamos de reduzir ou eliminar as suas fontes. O trânsito automóvel é uma das principais e ainda que os veículos eléctricos sejam mais silenciosos que os de motor de combustão interna, continua a subsistir o ruído dos pneus a girar sobre o asfalto (e precisamos, portanto, de substituir o piso tradicional de asfalto das estradas por outro cujos materiais permitem a redução de ruído, algo que já existe).
Outra fonte de poluição sonora são os aviões e torna-se necessário a substituição de todos ou quase todos os aviões (civis e militares) que atravessam o céu. Precisamos, portanto, de novos modelos de veículos aéreos que não sejam barulhentos.
A construção civil precisa de maquinaria mais silenciosa. Algumas indústrias precisam de ser menos ruidosas. E, no seu todo, as cidades precisam de ser mais silenciosas para deixarmos de ser uma perturbação sonora para as outras espécies.
Espécies que habitam nas áreas urbanizadas
Apesar dos seres humanos serem os mamíferos responsáveis pela construção das aldeias, das vilas e das cidades, a nossa espécie não é a única que habita nesses aglomerados populacionais. Com efeito, diversas outras, das aves, aos insectos, passando por fungos, plantas, anfíbios e por aí adiante são também habitantes das aglomerações populacionais criadas pelos seres humanos. E algumas, como o melro (Turdus merula), por exemplo, até se adaptam razoavelmente bem às condições que existem numa cidade, não sem terem de se ajustar a factores como a iluminação nocturna e o ruído (ajustes que acontecem, por exemplo, no seu canto). Mas claro que há espécies que preferem afastar-se das localidades erigidas pelos humanos e viver sossegadamente algures num lugar mais recatado, onde possam viver com as condições que precisam. Até que a expansão urbana se aproxime desse lugar, empurrando essas espécies para outro lugar onde exista as condições que precisam para viver. Até que a expansão urbana se aproxime desse outro lugar empurrando, novamente, essas espécies para outro lugar onde consigam viver.
Conclusão
As cidades, as vilas e as aldeias são como marcas que o Homo sapiens deixa na superfície terrestre. Se essa espécie se extinguisse repentinamente, os edifícios, as estradas, os aeroportos, os postes de iluminação e tudo o resto que encontramos numa aglomeração populacional continuaria a existir durante, pelo menos, mais umas centenas de anos. Claro que, num cenário como esse, todas as outras espécies, das plantas, aos fungos, passando pelas aves, insectos, mamíferos, répteis e por aí adiante, iriam colonizar livremente as avenidas, os centros comerciais, as fábricas, os apartamentos, as lojas, os estádios, os supermercados e tudo o resto. E a Natureza iria (re)encontrar o seu equilíbrio, agora que se viu livre do Homo sapiens.
Mas a situação que expus no parágrafo acima é uma fantasia. Nós continuamos, pois, a habitar o planeta ao qual damos o nome de Terra. E não estamos sozinhos, partilhamo-lo com milhões de outras espécies e cada uma tem direito a viver nesse mesmo planeta.
Ora, habitar um determinado lugar implica fazer alterações a esse mesmo lugar para suprimir as necessidades existentes ou outros factores. Qualquer espécie o faz e a nossa não é excepção. Os castores constroem barragens, as térmitas constroem arranha-céus (chamemos-lhes assim), as aves constroem ninhos para os quais precisam de materiais, as hienas caçam para comer, um insecto come a folha de uma planta e nós construímos edifícios para vivermos e trabalharmos. Podemos dizer que basta estar vivo para alterar o ambiente em que habitamos. E as cidades que construímos (com tudo o que cada uma contém) são um exemplo de alterações que fazemos na paisagem.
Em geral, as cidades começam por ser pequenas povoações mas o tempo passa, a população vai aumentando e de pequenas aldeias são criadas enormes cidades que albergam milhões de residentes. E temos, na actualidade, exemplos como Shangai, Tóquio, Nova York, Londres, Deli, Cidade do México, Cairo, Buenos Aires, Karachi, Rio de Janeiro, Lagos e muitas outras. Cada uma, com uma História diferente mas todas são importantes centros urbanos à escala regional e/ou global. E o facto de receberem a importância que têm, tanto a nível económico mas também político, cultural, desportivo, científico ou outro, dá-lhes o dever de serem também modelos de planificação urbana que permitam que a biodiversidade não se sinta ameaçada pela urbanização e também por factores como a poluição sonora e luminosa, passando por muitos outros. Estou a lembrar-me da poluição plástica.
Creio que é de conhecimento comum o enorme problema que a poluição plástica está a causar. E sabemos bem que aquilo que acontece no interior de uma cidade não atinge apenas essa cidade. Imagine-se que alguém que resida numa cidade à beira de um rio decide atirar uma garrafa de plástico para esse mesmo rio. Esse cidadão fica a apreciar a garrafa a boiar no fluxo aquático que a transporta para longe e, quando está suficientemente distante, o referido cidadão perde o interesse na viagem da garrafa e regressa aos seus afazeres. Mas a garrafa continua a navegar, até que chega à foz do rio, continuando a jornada mais para diante, rumo às águas oceânicas.
Passa-se algum tempo, o plástico vai-se quebrando em pedaços cada vez mais pequenos que podem ser comidos por aves ou por peixes que os confundem com alimento. E esses infelizes, que não têm culpa da acção do humano, poderão ficar com lesões graves e até morrer por terem comido plástico. Podemos dizer que aquele humano que mora naquela cidade foi o responsável pela morte destes seres vivos que viviam a milhares de quilómetros de distância. Portanto, facilmente podemos concluir que aquilo que acontece nas cidades não fica dentro dos limites citadinos, indo muito além deles. E mencionei apenas o problema da poluição plástica mas podia ter falado sobre outros problemas originados não apenas mas também nas cidades como a chuva ácida, o aquecimento global, a sobrepopulação humana, os problemas criados pela indústria mineira, a desflorestação criada pelo consumo que fazemos do óleo de palma e muitas outras situações.
Dado o exposto, parece-me muito importante que as cidades tenham um papel preponderante no que respeita à preservação da biodiversidade, promovendo e pondo em prática soluções com esse objectivo. Não que as localidades menores, como as vilas ou até as aldeias, se excluam desse papel porque também elas devem conseguir dar o exemplo do que é necessário fazer. Mas, simplesmente, porque as grandes cidades são mais visíveis, mais conhecidas e mais populares e, por isso, mais facilmente poderão ter um papel dominante, por assim dizer, no que respeita às soluções para preservar a biodiversidade.