Estou bastante certo que a maior parte dos seres humanos prefere habitar um mundo em paz. Serão poucos aqueles que gostam de estar em guerra e, provavelmente, ainda menos aqueles que querem criar guerras. No entanto, há sempre uma ou outra guerra a acontecer, seja ela mais convencional, por assim dizer, seja uma guerrilha, seja qualquer outra coisa que recorra a armas com o objectivo de destruir o adversário ou conquistar o seu território.
Em geral, os meios de comunicação social apenas nos dão a conhecer as que poderão ter mais importância no esquema político e/ou económico da organização da sociedade humana global. Temos os exemplos actuais, de 2024, da guerra na Ucrânia e também, mais uma vez, as quezílias que acontecem no Médio Oriente. Há umas décadas, aconteceram as Guerras do Golfo (a primeira e a segunda) e aquela que aconteceu no território da antiga Jugoslávia. Mas, além destas mais importantes, há conflitos armados com menos peso mediático, dos quais pouco ou nada ouvimos (sobretudo se não habitarmos nas proximidades). No entanto, existem.
Claro que há sempre razões para começar uma guerra. Razões que poderão ser económicas, religiosas, políticas e mais umas tantas. No entanto, não pretendo neste escrito abordar os motivos causadores dos conflitos armados e nem sequer debruçar-me sobre o facto da comunicação política (ou outra) poder instigar os cidadãos a convergirem para um cenário bélico. Estou, sobretudo, interessado em dar uma perspectiva do impacto que as guerras têm no ambiente e na biodiversidade. E, já agora, diga-se de passagem que os humanos não a única espécie que se guerreia entre si. Os chimpanzés também o fazem e são conhecidos os conflitos que ocorreram no Parque Nacional de Gombe e no Parque Nacional de Kibale. Mas voltemos aos humanos.
Será infindável a lista de guerras e outro tipo de conflitos armados que a nossa espécie criou contra si própria ao longo dos tempos. E há sempre consequências devastadoras em ambos os lados do conflito. Os meios de comunicação informam-nos da quantidade de vítimas, das cidades destruídas, dos avanços e recuos dos militares no terreno e sobre o tipo de armas utilizadas. Porém, o impacto que as guerras possuem no meio ambiente e nas espécies (além da humana) que habitavam a região afectada, não costuma ser uma notícia particularmente importante. O meio ambiente e a biodiversidade são, com grande certeza, as vítimas mais silenciosas. Vamos, então, sobrevoar este assunto.
Consequências das guerras no meio ambiente e na biodiversidade
Os meios militares fazem frequentemente uso do secretismo, havendo muitas informações relacionadas com a actividade militar que são confidenciais. E até se percebe a razão. Fornecer determinados dados sobre um determinado aspecto de uma determinada força militar pode ser suficiente para debilitar essa mesma força militar. Portanto, compreende-se esse secretismo. Compreende-se que, por exemplo, um determinado avião possa ser classificado como confidencial em muito daquilo que ele é. É necessário esconder as nossas forças e fraquezas do adversário.
No entanto, esse mesmo secretismo dificulta a apreensão total do impacto que as forças armadas possuem no meio ambiente e na biodiversidade. E, obviamente, esse impacto vai muito além do momento do conflito armado, da guerra propriamente dita. Temos, pois, de incluir os treinos dos militares, os testes de armas, o descarte de material que se tornou obsoleto, os combustíveis usados e outros aspectos.
Treinos militares
A preparação para a guerra é uma parte indispensável do trabalho das forças militares e, um pouco por todo o mundo, existem regiões reservadas a esse fim. São as zonas de treino militar. Mas não sei se por secretismo ou se por outra razão, desconhece-se a área total dessas zonas a nível global. Pensa-se, no entanto, que constituam 5% a 6% das terras emersas do planeta (segundo um estudo publicado no Conservation Letters da Society for Conservation Biology), o que dará algo como cerca de 8 000 000 km2. Será, portanto, uma área semelhante àquela que ocupa o Brasil ou a Austrália.
As zonas de treino militar costumam estar vedadas a outras actividades humanas, como a agricultura ou a criação de zonas residenciais, comerciais e industriais. E apesar de a única actividade existente nessas áreas ser a militar, nomeadamente, carros de combate em movimento, metralhadoras em acção e diversas armas em actividade, as zonas de treino militar não são desprovidas de biodiversidade. Porém, este dado aparentemente positivo não é suficiente para adornar o assunto.
Estamos, obviamente, a falar de uma região que é sujeita a desgaste devido à actividade que contém. Nas zonas de treino militar acontecem treinos para as guerras. Os carros de combate disparam, os aviões passam e lançam as suas bombas e mísseis e os militares evoluem no terreno, disparando, por vezes, munições reais. É como se fossem ensaios para uma hipotética futura guerra.
Claro está que o treino com munições reais tem impacto negativo. Altera a paisagem, destrói a vegetação e, acidentalmente, mata seres vivos de diversas espécies que vivem na área e que tiveram a infelicidade de estar na linha de tiro.
Apesar de toda esta destruição que está implícita na actividade militar, não deixa de ser relevante a existência de diversas espécies que habitam as zonas de treino militar. Muitas vezes, estas zonas são apenas utilizadas em determinados locais, salvando outros da destruição. E não é de estranhar que espécies ameaçadas possam residir nas zonas de treino militar, algo que acontece não apenas naquelas que estão no activo, mas também nas que foram desactivadas. No entanto… Há sempre um “no entanto” quando se trata de determinadas actividades humanas e da lógica humana de preservar ou de destruir.
Dizia eu que, no entanto, é necessário proteger todas as espécies, ameaçadas ou não. Sabemos bem que basta uma assinatura ou uma nova decisão para mudar os resultados. E a preservação da biodiversidade fica, em geral, a perder.
Contribuição para o aquecimento global
Parece-me que é fácil perceber que as forças armadas dos diversos países são grandes consumidoras de combustíveis fósseis. Os veículos militares aéreos, terrestres e marítimos precisam de combustível para funcionarem e esse é produzido a partir de combustíveis fósseis.
Todos nós já devemos ter ouvido falar de combustíveis fósseis e do aquecimento global. E este aquecimento global que estamos a viver actualmente foi criado por nós, seres humanos, devido ao estilo de vida que estamos a desenvolver, havendo diversos estudos científicos que o comprovam. As condições naturais que existem actualmente não explicam o aquecimento global que estamos a atravessar.
Rapidamente, num parágrafo. Os gases com efeito de estufa são os responsáveis pela criação do efeito de estufa que existe naturalmente no nosso planeta. Esses gases (o dióxido de carbono, o metano ou o vapor de água) existem naturalmente na atmosfera da Terra. Mas quanto maior for a concentração desses gases na atmosfera terrestre, mais intenso é o efeito de estufa criando, desta forma, o estado de aquecimento global. E a combustão de combustíveis fósseis emite, para a nossa atmosfera, gases com efeito de estufa. Portanto, os veículos a gasolina ou gasóleo ou outro, a electricidade produzida a partir do carvão ou do gás natural, além de outros factores, contribuem para a intensificação do efeito de estufa. E o resultado é o aquecimento global.
Não se sabe ao certo qual é a emissão total de gases com efeito de estufa com origem nas forças armadas dos diversos países. Isto porque os dados relativos às emissões desse tipo de gases produzidos pelas diversas forças armadas estão incompletos, ausentes ou ocultos por não haver obrigatoriedade na sua declaração. Entramos aqui no secretismo. Não nos podemos esquecer que nas forças armadas de diversos países existem indivíduos e grupos de trabalho altamente qualificados que conseguem obter dados quase a partir do nada. Portanto, quanto menos dados forem divulgados, menor é a quantidade de informação que se fornece.
Apesar desse secretismo, estima-se que as forças armadas sejam responsáveis por cerca de 5,5% das emissões globais de gases com efeito de estufa (um valor apontado pelo Scientists for Global Responsibility). Um valor que se posiciona como se fosse um dos principais países a contribuir para a intensificação do efeito de estufa. É um pouco como o top dos discos mais vendidos que havia nos anos oitenta e noventa do século XX. Se houvesse uma música cujo título fosse “A emissão de gases com efeito de estufa provindos das forças armadas”, esse disco estaria entre os mais vendidos.
Acrescentemos que a origem das emissões de gases com efeito de estufa originadas pelas forças armadas não surge apenas dos veículos e do combustível que necessitam. Temos também de contabilizar a electricidade consumida nas infraestruturas militares e também nos veículos eléctricos usados. Se essa electricidade for produzida a partir de combustíveis fósseis, irá emitir gases com efeito de estufa. Temos também de incluir o aquecimento necessário nessas infraestruturas e outros factores que correm no mundo militar.
Despejo de munições e armas químicas para o mar
Durante grande parte do século XX, os oceanos foram como um gigantesco caixote do lixo. Aliás, melhor dizendo, durante o século XXI os oceanos continuam a ser como um gigantesco caixote do lixo. Temos, actualmente, o enorme problema da poluição plástica porque muito do lixo plástico que a sociedade humana produz acaba nos oceanos. Mas deixo esse assunto para outro texto. Neste, dedico-me aos despejos militares.
Recomeçando. Durante grande parte do século XX, os oceanos foram o lugar de eleição para despejar as munições convencionais e as armas químicas que se tornaram obsoletas ou que não foram utilizadas. Esta situação prolongou-se até 1975, altura em que entrou em vigor a Convenção para a Prevenção da Poluição Marinha por Despejo de Resíduos e Outras Matérias (também conhecida por Convenção de Londres). Esta convenção que ostenta um longo nome, destinou-se a prevenir a poluição marítima originada pelas actividades humanas.
Ora, desconhece-se a quantidade exacta de munições lançada aos mares porque, muitas vezes, o registo do despejo não foi efectuado ou está incompleto. E voltamos a cair no problema do desconhecimento de informações, ainda que aqui até possa não estar relacionado com o secretismo da coisa mas mais, talvez, com a não necessidade de registar o que vai para o lixo. É um pouco como nós quando levamos o nosso lixo para o lixo. Acredito que não seja norma pela maior parte dos indivíduos da espécie humana o registar por escrito as coisas que transportam para o lixo. É a minha opinião acerca do desconhecimento da quantidade que veste o fenómeno de lançar armas e munições para os mares. Não sei se é verdade. Talvez sim, talvez não.
Apesar desse desconhecimento, e no que respeita apenas às armas químicas, estima-se que foram atiradas aos oceanos, pelo menos, a fantástica quantidade de um milhão e seiscentas mil toneladas (segundo o James Martin Center for Nonproliferation Studies). Fiz as contas para perceber visualmente a quantidade que esse valor representa e cheguei à conclusão que corresponde a cerca de oito mil e quinhentos Boeing 747, quando totalmente vazios (sem carga, sem passageiros e sem combustível). É como despejarmos para os oceanos oito mil e quinhentos desses aviões quando se tornam obsoletos.
O lixo não fica escondido para sempre. Irá haver um dia em que regresserá para assombrar a vida de alguém. Portanto, parece-me escusado dizer que os despejos efectuados foram e são responsáveis por consequências desastrosas nos seres humanos. Há bombas da Segunda Guerra Mundial que explodiram décadas depois devido à actividade pesqueira na área, causando lesões graves nos pescadores. E até o fósforo branco e o gás mostarda foram já responsáveis por acidentes em seres humanos muito depois de terem sido despejados no mar.
E muitas das armas químicas despejadas para os mares estão a vazar devido à corrosão, libertando elementos tóxicos e contaminando os ecossistemas marinhos. Vestígios de elementos químicos relacionados com essas armas já foram encontrados nos tecidos de várias espécies de peixes, causando-lhes problemas de saúde. E claro que o rebentamento de armas convencionais que se alojaram no fundo do mar matam os seres vivos que, no momento da explosão, tiveram a infelicidade de estarem na área em redor.
Destruição de indústrias e de infraestruturas
A destruição é parte integrante das guerras. Talvez numa escaramuça não haja grande coisa destruída mas quando falamos em conflitos armados prolongados no tempo, o cenário que deles resulta é muito diferente. E a destruição de indústrias e de outras infraestruturas, com o consequente derramamento de material tóxico, é um evento que costuma acontecer durante as guerras. Um dos resultados possíveis gerados pela destruição de fábricas, de armazéns e de outro tipo de infraestruturas é a contaminação da água e do solo, criando os resultados nocivos associados a esse derramamento.
Muitos de nós deverão lembrar-se que, em 1991, durante a Guerra do Golfo, foram incendiados mais de seiscentos poços de petróleo que arderam durante dez meses. O fumo e o derramamento de petróleo resultou num impacto catastrófico para os ecossistemas terrestres e marinhos. Foi um cenário terrível.
Mais recentemente, a guerra na Ucrânia é apenas mais um local alvo de conflito onde inúmeras infraestruturas têm sido atingidas e destruídas, causando o derramamento de várias substâncias tóxicas para o meio ambiente, destruindo ecossistemas e prejudicando a biodiversidade.
Refugiados de guerra
Uma guerra altera consideravelmente a vida de todos, não apenas da espécie humana mas também de todas as outras espécies. Os ataques com mísseis, com drones e com outro tipo de armas criam um cenário de destruição e é frequente os serviços e outras infraestruturas de um país ou de uma região entrarem em colapso. O comércio e a indústria encerram, a distribuição de electricidade, de alimentos e de água torna-se precária ou inexistente e existe permanentemente um clima de insegurança. Deixam, portanto, de haver as condições de habitabilidade necessárias para que os seres humanos que residiam numa determinada região geográfica possam aí continuar as suas vidas. E muitos optam por fugir para outros locais e, por vezes, até para outros países, atravessando as fronteiras.
Durante a fuga ou deslocação encontram, muitas vezes, condições precárias, levando-as a agir pela sua própria sobrevivência. Assim, a caça para alimento ou por outro motivo e o abate de árvores para a obtenção de madeira para lenha são comuns. Vimos isto acontecer na sequência da Guerra Civil do Rwanda e do genocídio que ocorreu em 1994. Muitos refugiados instalaram-se no interior do Parque Nacional de Akagera, levando à eliminação de 25% das suas florestas e as populações de rinocerontes negros e de leões que habitavam o parque foram levadas à extinção no local. Actualmente, e devido a projectos de conservação, estas duas espécies foram já reintroduzidas no Parque Nacional de Akagera.
Impacto de bombas, mísseis e minas
Como se espera, o impacto de um míssil, de uma bomba, de um drone ou de qualquer outro tipo de projéctil não se fica apenas pelas paredes destruídas e pela eventual cratera que se abre no solo. Por muito precisos que possam ser, os projécteis não atingem apenas quem o que devem atingir. Há danos em redor. Chamemos-lhe danos colaterais ou qualquer outro nome que possa surgir nas mentes de quem lê este escrito.
Nós, seres humanos, não estamos sozinhos no mundo. Não somos a única espécie a habitar a Terra. Há aves, há insectos, répteis, anfíbios, plantas, outros mamíferos (que não os humanos), fungos e por aí fora. E o míssil lançado pelos humanos atinge também os indivíduos dessas outras espécies que ali faziam a sua vida ou que ali estavam à hora errada.
As próprias minas terrestres, que estão pensadas para abater militares inimigos, são também letais para outros seres vivos de outras espécies que as pisam, como acontece, por exemplo, com os elefantes e com os leões e também com outras espécies acima de um determinado peso. E, frequentemente, estas minas permanecem no local durante anos ou décadas após o término do conflito.
Armas químicas, biológicas e nucleares
A guerra é algo que, infelizmente, parece fazer parte da espécie humana. E guerreia-se contra si própria e parece haver sempre motivos para o fazer. E as várias forças armadas de vários países até gostam de exibir as suas armas mais possantes. Vemos, volta e meia, uma parada militar numa imponente avenida, com humanos a marchar, carros de combate a avançar, aviões a sobrevoar e mísseis compridos e grandes e serem expostos. É um exercício de poder. E parece haver sempre a ânsia de mostrar os mais recentes avanços ou as armas mais potentes, entre elas, as nucleares.
Essas, as nucleares, vimo-las serem aplicadas em zona de conflito durante a Segunda Guerra Mundial. O resultado é bastante conhecido. Temo-las como armas de dissuasão e que, provavelmente, não foram fabricadas para serem usadas (apesar do seu desenvolvimento e fabrico ter necessitado de vários milhões de dinheiros, o suficiente para preservar muitas espécies).
As armas nucleares, as químicas e as biológicas parecem formar uma categoria de supra-sumo das armas. E até podemos juntar a esta categoria os ataques informáticos que podem, potencialmente, fazer parar um país ou um continente inteiro.
O uso de armas químicas ou biológicas faz parte da História desde a Antiguidade, ainda que nesses tempos seguisse um formato diferente. Em cenários mais modernos, vimo-las serem aplicadas, com maior ou menor sucesso, durante a Primeira Guerra Mundial e noutras ocasiões. Como qualquer tipo de arma, o objectivo destas, e também das nucleares, é eliminar ou, pelo menos, enfraquecer o adversário. E os efeitos destas armas nos seres humanos são conhecidos e vão desde lesões e problemas de saúde até à morte. Mas estes efeitos são os mesmos em indivíduos de outras espécies que foram atingidos, ainda que possam haver excepções como acontece, por exemplo, nas armas biológicas em que uma determinada espécie pode ser afectada por uma dado agente biológico enquanto outra poderá ser imune em relação a esse mesmo agente. Porém, se os agentes usados forem de amplo espectro, serão poucas ou nenhumas as espécies que lhe serão imunes.
Conclusão
Quando os humanos querem derrotar ou eliminar os seus inimigos humanos, estão, em simultâneo, a eliminar a vida de indivíduos de outras espécies e a contaminar e a destruir ecossistemas.
Perturba-me que uma guerra entre humanos atinja indivíduos de outras espécies que não têm nenhuma relação com os conflitos dos humanos. É gente que foi apanhada num cenário bélico humano e que viu as suas vidas serem destruídas. Muitos indivíduos de outras espécies ficaram sem casa, sem família e sem comunidade. Sem contar com aqueles que ficaram sem vida.