Falemos, então, um bocadinho sobre estas coisas dos consumidores, do meio ambiente e da preservação da biodiversidade. E claro que temos de ir um pouco mais além porque, quando estamos a falar sobre os consumidores, temos de incluir aqueles que produzem, fabricam e vendem aquilo que os consumidores consomem.
Entendamos os consumidores como aqueles indivíduos da espécie humana que adquirem determinados produtos para satisfazer uma necessidade, um desejo ou qualquer outra forma de preenchimento do próprio ou até de outrem que exista na rede de contactos desse próprio. O outrem é alguém a quem se oferece um determinado produto por motivos de celebração de uma qualquer data ou até por causas diversas mais mundanas como o abastecer a família do alimento necessário.
Dada a introdução acima, avancemos sem mais delongas para o artigo que desenvolvo porque estamos já no terceiro parágrafo e ainda pouco ou nada se formou daquilo que me proponho fazer.
A lista de compras
Ouvimos coisas sobre o meio ambiente e sobre a preservação da biodiversidade. Coisas como o temos de reduzir o consumo de plásticos descartáveis, o temos de reduzir o consumo de combustíveis fósseis, o temos de não causar desflorestação e o temos de preservar a biodiversidade. E que temos de isto, aquilo e aqueloutro e mais algum outro para fazermos todos esses temos.
Tudo isso é muito interessante e bonito se quisermos ter um papel activo na criação de um meio ambiente mais saudável e na preservação da biodiversidade. Mas e quanto àquilo que é oferecido aos consumidores como possibilidade de escolha? Será que aquilo que está à disposição nos retalhistas permite que os consumidores possam ter um impacto negativo reduzido no meio ambiente e na biodiversidade? E quão difícil ou complicado é para os consumidores conseguirem viver as suas vidas com esse impacto negativo reduzido?
Imaginemos que vamos às compras e que precisamos de manteiga, queijo, tofu, gel de banho, bolachas, iogurtes, detergente para a louça, laranjas, pão e lentilhas. É uma lista pequena e que poucas necessidades satisfaz mas, mesmo assim, vejamos os plásticos envolvidos. A manteiga, o queijo, o tofu, o gel de banho, as bolachas, os iogurtes, o detergente para a louça e, provavelmente, o pão vêm embalados em plástico descartável. Ou seja, por um lado é necessário reduzirmos o consumo de plásticos descartáveis mas, por outro, muitos produtos que precisamos vêm embalados em plástico descartável.
Além do problema dos plásticos, temos o do óleo de palma, um material extremamente versátil e que é usado numa imensa quantidade de produtos, dos alimentares aos cosméticos. E mesmo vários dos incluídos na nossa pequena lista de compras não serão excepção.
Tal como acontece com os plásticos, também o óleo de palma precisa de ser produzido em enormes quantidades para, através dos produtos em que entra como ingrediente, satisfazer as necessidades e desejos de milhões e milhões de consumidores mundo fora. Para tão grande procura, torna-se inevitável um tão grande estrago e a produção de óleo de palma é uma das causas da desflorestação que acontece em algumas regiões do mundo, como no sudeste asiático. E quando falamos de desflorestação, estamos a falar da degradação e destruição de ecossistemas e da fragmentação de habitats, motivos que contribuem para a extinção de espécies.
Ora, sem nos esforçarmos muito, com a pequena lista de compras que acima fiz saber, estamos a contribuir para a desflorestação, estamos a ajudar a empurrar espécies para a extinção, estamos a contribuir para o consumo de combustíveis fósseis (porque muito do plástico em circulação é produzido a partir desse tipo de combustíveis) e estamos a contribuir para aumentar a poluição plástica (sabemos que algum plástico é reciclado mas muito acaba em lixeiras ou é deixado algures em algum lugar do planeta, indo aumentar a imensa quantidade de poluição plástica e respectivas consequências).
E estamos apenas a focar-nos em dois elementos, os plásticos e o óleo de palma, excluindo diversos outros incluídos nos produtos que consumimos e que têm também o seu impacto. Podemos, por exemplo, acrescentar os insecticidas que, eventualmente, terão sido usados em algum dos produtos da lista e, com isso, estamos a contribuir para o enorme declínio populacional de insectos que estamos a viver, estando uma parte muito considerável de espécies a caminho da extinção.
A lista de compras ideal
Se definirmos a lista de compras ideal como aquela que apenas contém produtos que não causaram impacto negativo no ambiente e na biodiversidade, podemos dizer que, nos dias actuais, tal maravilha é tão rara de avistar como um yeti comendo um gelado enquanto toca violino no topo do Everest. De facto, mesmo que sejamos frequentadores habituais de um retalhista cujos produtos disponibilizados zelam pelas boas práticas ambientais, quase certamente que esses produtos terão tido algum impacto negativo.
Para avaliamos o impacto de um produto não podemos olhar apenas para o momento em que esse produto está nas nossas mãos. Temos, pois, de incluir todas as fases do seu ciclo de vida: a produção, o momento em que está nas nossas mãos e o descarte. Por exemplo, podemos comprar uma belíssima couve que respeitou métodos de produção amistosos, sem o uso de insecticidas e demais substâncias de carácter problemático para a fazer crescer. Porém, essa couve precisou de ser transportada do produtor até ao retalhista e, partindo do princípio que não foi carregada aos ombros por um humano caminhante ou por um cavalo apressado, fez-se viajar em algum meio de transporte cujo motor era a gasolina ou gasóleo (que se relaciona com o problema dos combustíveis fósseis). Mas mesmo que a couve tivesse sido transportada num veículo eléctrico, temos o problema do lítio necessário para o fabrico das baterias e da forma de produzir a electricidade que as carregou.
Portanto, se considerarmos que o trajecto do produtor até ao retalhista faz parte da fase de produção, percebemos que a belíssima couve teve algum impacto negativo no ambiente e na biodiversidade antes de chegar às mãos do cliente que a comprou. Ainda assim, será uma couve com um impacto mais reduzido quando comparada com muitas outras, talvez a maioria das que encontramos à venda. Portanto, parabéns para a belíssima couve.
Mas estamos apenas a falar de uma couve. Então e quanto aos outros produtos que precisamos? O pão, a soja, os detergentes, os cogumelos, a carne, o peixe, a fruta, os cosméticos e tudo o resto.
Cada produto segue um processo próprio de produção, havendo diversos factores envolvidos em cada um. Mas apesar de poder haver sempre algum impacto negativo, podemos tentar reduzi-lo se seguirmos a história do evitar plásticos descartáveis, evitar produtos alimentares que utilizaram insecticidas e assim por diante.
Temos, claro, de estar um pouco atentos ao greenwashing, uma forma seguida por alguns fabricantes e produtores para mascarar o verdadeiro impacto no ambiente e na biodiversidade que os seus produtos possuem. Na prática, é algo como afirmar que o seu produto seguiu as boas regras ambientais quando, na realidade, tal não aconteceu ou ficou muito aquém daquilo que foi declarado.
Exercício
Que tal um exercício que pode desenvolver quando chegar a casa com as compras?
1. Conte a quantidade de produtos embalados em plástico descartável. Esta é, provavelmente, a parte mais fácil do exercício porque basta olhar, seleccionar e contar. Mas há um aspecto que convém lembrar: vários produtos que compramos como, por exemplo, as cenouras podem conter microplásticos no seu interior e, quando as comemos, estamos também a comer essas partículas plásticas. A poluição plástica é tanta que nada lhe escapa e por comermos vegetais, peixes e outros produtos que foram atingidos pela poluição plástica, como a água que bebemos, estamos a transferir o plástico das cenouras, do peixe ou da água para o interior do nosso corpo. E já foram encontrados microplásticos dentro do corpo de seres humanos.
2. Leia os rótulos e conte quantos produtos contêm óleo de palma na sua composição. Uma nota: o óleo de palma nem sempre aparece na lista de ingredientes porque, além da sua grande versatilidade, o óleo de palma pode ser um dos componentes dos ingredientes que, esses sim, surgem no rótulo. Quer isto dizer que podemos estar a consumir óleo de palma sem o sabermos. Grosso modo, o óleo de palma está em quase todo o lado.
3. Tente perceber que produtos foram alvo de insecticidas e que, por isso, contribuíram para o declínio populacional de insectos que estamos a viver actualmente. Pode não ser fácil encontrar a resposta a este aspecto mas podemos tentar descobrir que métodos usa o produtor, fazendo pesquisas na Internet ou noutros locais.
4. Identifique os produtos que comprou cuja produção atravessou um impacto negativo reduzido (ou até nulo) no meio ambiente e na biodiversidade. Para os identificar, uma pesquisa semelhante à desenvolvida no ponto 3 deverá dar a resposta.
Terminado o exercício, ficará com uma ideia, ainda que superficial, do impacto que a sua lista de compras teve no meio ambiente e na biodiversidade. E será que é altura de fazer algumas alterações para que a sua vida tenha um impacto negativo um pouco mais reduzido?
Tendências ambientais do mercado
Temos vindo, desde há alguns anos, a assistir a uma tendência que parece estar cada vez mais presente nos produtos que são disponibilizados aos consumidores, a de incluírem uma ou mais características que os tornam menos prejudiciais para o meio ambiente. Por exemplo, apresentam-nos produtos com emissões reduzidas de gases com efeito de estufa, outros são vendidos sem a embalagem de cartão exterior, outros mostram-se conscientes em relação ao problema dos plásticos e outros mostram determinados certificados de sustentabilidade ou semelhante. E, na minha opinião, esta tendência é bem-vinda, o que mostra interesse da parte dos consumidores em relação a esse tipo de produtos.
E, além dos produtos, existem marcas empenhadas em reduzirem o seu impacto negativo e em contribuirem para a preservação da biodiversidade, mostrando a importância que este tipo de temas está a ter entre os consumidores.
As gerações que nasceram a partir de, aproximadamente, os anos noventa do século XX cresceram num mundo em que os problemas ambientais são parte integrante das informações do quotidiano. Os telejornais falam sobre eles, o advento da Internet abriu uma enorme janela de informação e mesmo as escolas já incluem esses temas nos seus programas de ensino. Portanto, estas gerações poderão estar mais abertas a ter um papel importante em aspectos relacionados com o meio ambiente e com a preservação da biodiversidade. Não é, então, de estranhar que tendências menos prejudiciais se tornem visíveis nos produtos que são consumidos. Ainda assim, na minha opinião, e em termos gerais, podia estar-se a fazer mais (e melhor) do que aquilo que está a ser feito.
Claro que, muitas vezes, o efeito preço pode sobrepor-se ao efeito meio ambiente e preservação da biodiversidade, levando os consumidores a optar pelos produtos mais baratos (cuja produção pode ter tido um impacto negativo pesado) e não pelos pelos produtos menos prejudiciais (mas um pouco mais caros).
Aceitar ou recusar?
O que aconteceria se, de repente, todos os consumidores se recusassem, por exemplo, a comprar produtos embalados em plástico descartável?
Esta é apenas uma pergunta que fica no ar e para a qual não espero resposta. Mas, mesmo assim, como iriam os produtores, os fabricantes e os retalhistas responder a essa recusa? E, já agora, o que iriam os consumidores fazer para obterem os produtos que precisam (ou se habituaram a precisar) mas que são vendidos embalados em plástico descartável?
Perguntas como estas fazem-nos entrar na parte da interdependência que existe entre fabricantes, produtores, retalhistas e consumidores. Uns dependem dos outros e os outros dependem dos uns. Mas quais são os mais dependentes? E quais são aqueles que procuram determinadas características nos produtos que pretendem adquirir? E quais são aqueles que mais incentivam a existência dessas determinadas características?
Se tivéssemos de escolher a parte que lidera as preferências e as tendências, qual seria a escolhida: a parte dos que compram ou a parte dos que vendem?
Lembremos que não são apenas os consumidores finais que compram, pois também os produtores, os fabricantes e os retalhistas têm necessidade de comprar matérias-primas, produtos para transformação ou para venda ou qualquer outra coisa que lhe sirva de suporte ao negócio que desenvolvem.
A quantidade de consumidores
Há dois factores que estão inerentes aos produtos que surgem numa qualquer lista de compras de um qualquer consumidor. Um desses factores é o impacto que cada produto teve no meio ambiente e na biodiversidade, contabilizando todas as fases do seu ciclo de vida (a produção, a utilização pelo consumidor e o descarte após ser utilizado). O outro dos factores relaciona-se com a quantidade de cada produto que é necessário produzir para abastecer a quantidade de consumidores interessados.
Observámos o primeiro factor aquando do exemplo da belíssima couve, uns tantos parágrafos para trás. Mas quanto ao segundo apenas o sobrevoámos ligeiramente e de forma algo indirecta e, por isso, sigamos agora com ele.
Suponhamos que cem consumidores comem cinco mil pães por ano, cuja confecção precisa de, digamos, 5000 kg de farinha de trigo. Para tal, é necessário semear e colher uma determinada quantidade de trigo que permita a produção dessa quantidade de farinha.
Cinco toneladas anuais de farinha não é muito mas estamos a falar de apenas cem consumidores, a população de uma aldeia. Então e se tivermos de alimentar cem milhões de consumidores? Para essa quantidade de consumidores torna-se necessário produzir anualmente 5 000 000 000 de toneladas de farinha de trigo. Quer isto dizer que quanto maior for a quantidade de consumidores, maior terá de ser a quantidade produzida daquilo que é consumido (neste exemplo a farinha de trigo e o trigo mas também pão, fermento, água, sal e outros ingredientes da receita). E claro que, com as devidas adaptações, podemos estender este exemplo a outro tipo de produtos como cadernos, smartphones, automóveis, roupa, lâmpadas, detergente, gel de banho, morangos e por aí fora.
Produzir mais quantidade de um qualquer produto possui consequências que, entre outras, e dependendo do tipo de produto, são a conversão de terrenos naturais para aumentar a área agrícola, a degradação ou destruição de ecossistemas e a fragmentação de habitats (factores decisivos para a perda de biodiversidade), a emissão de substâncias tóxicas ou outras ambientalmente problemáticas (levando à contaminação do solo, da água e do ar) e o uso massivo de insecticidas (outro factor decisivo para a perda de biodiversidade).
Actualmente, em 2024, a população humana global corresponde a mais de oito mil milhões de indivíduos e todos consomem. Mas não podemos considerar que todos têm os mesmos hábitos de consumo ou que utilizam o mesmo tipo de produtos. Com efeito, existem diferenças e, muitas vezes, enormes diferenças entre os consumidores ao redor do mundo. Veja-se, por exemplo, o caso dos smartphones tão comuns para nós aqui na Europa (e noutras regiões do mundo) mas inexistentes ou praticamente inexistentes em determinadas populações de alguns lugares do planeta.
Apesar dessas diferenças, não podemos negar que os hábitos de consumo de uma parte considerável da população humana estão a colocar uma enorme pressão sobre os recursos naturais do planeta e a ameaçar a preservação da biodiversidade. E quando digo “biodiversidade” estou a referir-me às espécies que habitam a Terra, excluindo o Homo sapiens (uma espécie que, juntamente com todas as outras, faz parte da biodiversidade terrestre).
Conclusão
Voltemos, por fim, ao objecto ao qual damos o nome de “lista de compras”. Alguns consumidores escrevem-na num papel ou no smartphone, enquanto outros preferem percorrer os corredores do supermercado, colocando no carrinho aquilo que precisam, sem fazer uso de qualquer lista escrita.
Abastecer o frigorífico e demais locais de armazenamento de coisas compradas é um gesto que se repete em todos os continentes, num fluxo diário e contínuo de consumidores que visitam supermercados ou que compram online de modo a satisfazer as suas necessidades e desejos. E uma coisa simples, como uma lista de compras (escrita ou não) pode ter um efeito destrutivo quanto à preservação da biodiversidade e causar diversas consequências nefastas no meio ambiente. Mas estou em crer que, lá mais para o futuro, ser-nos-á possível viver de forma menos danosa para o planeta que habitamos. No entanto, para chegarmos a esse futuro, muito precisa de acontecer, desde encontrar as tecnologias adequadas (que estão já a ser desenvolvidas) até reduzirmos a população humana global (de modo a termos uma menor quantidade de consumidores), passando por factores de viabilidade económica e outros. Mas com interesse, empenho e vontade talvez lá cheguemos. E nesse futuro até podemos já ter iniciado a colonização de outros mundos.